Seria uma lança em África e um pé na lua…

D. Antonino Dias, DIocese de Portalegre Castelo Branco

Fotos: Agência ECCLESIA

Não vai longe entrou na moda a palavra resiliência. Nasceu na física para falar das propriedades de resistência dum material sob pressões de vária ordem. Passou depois para as ciências humanas, sobretudo para a psicologia, falando de aspetos do comportamento humano. No dobrar do milénio e com a crise económica e financeira, começou a andar por aí, a cotio, nos discursos, nos debates, nos programas políticos, nos programas de recuperação, de ajustamento… Hoje, usa-se ao jeito do jogador que, sem tempo para pensar, chuta com o pé que tem mais à mão, mesmo que a bola passe por cima da barra a evidenciar que foi mais uma oportunidade falhada. E aí anda ela, essa palavra, a insistir que é preciso ser resiliente na vida pessoal, familiar, eclesial, política, profissional, social, desportiva, escolar, académica, económica, empresarial… Todas as dificuldades com que a vida nos mimoseia, sempre que a vida nos apresenta a necessidade de enfrentar novos desafios ou de ir mais além, precisamos de resiliência e gana de vencer. Para que resulte, porém, convém ter presente que a cobra foi mais resiliente que Adão e Eva.

Por sua vez, o Papa Francisco trouxe à ribalta, na Igreja, a palavra ‘sinodalidade’. A palavra também não é nova. Se esquecida, ela é uma dimensão constitutiva da Igreja.

Caminhando pelas sendas da história ao encontro de Cristo, a Igreja, como peregrina da esperança, convida todos os seus membros a que experimentem a importância e a beleza de ‘caminhar juntos’, congregando sinergias em todas as áreas da sua missão. A palavra ‘sínodo’ é composta por duas palavras gregas: ‘syn’, que significa ‘com’, e ‘hodos’, que significa ‘caminho’. É um ‘caminho com’, um caminhar juntos, “um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não tão fácil de pôr em prática”, como afirma Francisco. E, se, na Igreja, apesar do Espírito de Deus que nos anima, é difícil entranhar a sinodalidade devido ao espírito do mundo que sempre espreita e tenta impor-se, quanto mais o não será se for o espírito do mundo a dar o tom à vida social e à governança da pólis!…

Se, com resiliência, ‘mutatis mutandis’, os políticos achassem por bem pôr em prática o conceito de sinodalidade com todas as suas exigências e consequências, com certeza que também sentiriam a alegria de caminhar juntos no traçar das grandes linhas estruturais de ação para o país. Não se correria o risco de, sempre que mudam os governantes, se mudar de rumo, quer na saúde, quer na educação, quer nisto ou naquilo. Se, com a coragem do cego à margem do caminho, se atirasse com a capa dos impossíveis ao ar e se desse um salto para a estrada que liberta e conduz a bom porto, tudo poderia ser diferente. Todos se sentariam à mesa da mútua confiança com o presigo da responsabilidade no prato e um Alvarinho no copo para suavizar o esforço da conversação. Ao estilo sinodal, tudo seria, calma e conscientemente, escutado, avaliado, discernido e assumido como fruto do consenso que naturalmente viria ao de cima. E então, sim, depois, que cada partido se desunhasse e esfolasse a ver como é que haveria de pôr isso em prática, mais depressa e melhor, sem voltar atrás, sem desertar, sem se fechar na sua concha e ambição. Seria uma lança em África e um pé na Lua, um pequeno passo em relação àquilo que é preciso fazer mas um grande passo em relação ao país que desejamos ser. Este primeiro momento deveria começar pelas bases, por se ouvir o povo acerca dos seus problemas e carências do dia-a-dia, do que pensa e sonha ver concretizado. Dever-se-ia valorizar a sua escuta e partilha, através das associações e entidades, das freguesias e dos concelhos, das comunidades intermunicipais e dos partidos políticos, locais e regionais. Evitar-se-ia que, quem assume finalmente a discussão na Assembleia da República, não estivesse a falar do que pensa ou do que nem sequer pensa, mas falasse das preocupações do povo que diz representar e daquilo que realmente interessa a todos.

Com alguma linguagem da sinodalidade eclesial usada pelo Papa Francisco, expliquemos melhor esta coisa. Em primeiro lugar, se este passo da sinodalidade fosse assumido pela política, não deveria ser entendido, nem desenvolvido, como se fosse um congresso, um parlamento, um falatório, onde, para alcançar um consenso ou um acordo comum, se recorre à negociação, a pactos ou a compromissos, a maiorias. Como sabemos, a verdade, o bem e a justeza das leis, não dependem de maiorias. Há ações legitimadas pela lei e pelas maiorias que não são lícitas nem humanas. Também não se trataria de umas tantas pessoas subirem à tribuna a falar para os outros ouvirem. Não, neste primeiro momento não se trataria disso. Seria um momento de escuta e discernimento. O método sinodal implica que todos falem francamente, sem medo e até ao fim, e todos oiçam com respeito e atenção, sem interromper, sem apontar o dedo, sem se julgar superior, sem mostrar ares de desagradado, sem querer que a sua ideia vença ou a queira impor, sem absolutizar o que diz e sem relativizar o que os outros dizem, sem hostilidades, sem artimanhas nem ratoeiras, sem ornamentações ideológicas ou adornos linguísticas, sem rótulos de progressista ou de conservador, de direita ou de esquerda, de Anás ou de Caifás, de Herodes ou de Pilatos. Esta sabedoria comportamental guiada por um bem maior que é o bem-estar do povo, sabe falar, sabe escutar, sabe ver, ler e discernir o melhor, gerando a vontade de, conjuntamente, o assumir. Usá-la seria um exercício de coragem política, na humildade e em espírito de serviço, falando claro, com frontalidade e coração aberto, de boa-fé, em tranquilidade e paz. Seria um exercício de esvaziamento das próprias convicções e preconceitos, deixando-se surpreender pelo resultado do consenso, assumindo agora o que todos, naturalmente, entenderam ser o melhor. Se isto acontecesse, deixar-se-ia de viver continuamente no desgaste de novas experiências por quem chega e pensa que traz a faca e o queijo na mão. Perdem-se recursos e tempo, gera-se instabilidade, levantam-se as facas e não há queijo, avinagra-se quem sofre, prejudica-se o país que não avança tanto quanto devia avançar em benefício de ‘todos todos todos’.

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