SABER APRENDER – A caminhar juntos: para onde (?) e com quem?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

O caminho da sinodalidade é o que Deus espera da Igreja neste tempo. E a palavra sínodo significa “caminhar juntos”. Mas em diversos artigos de opinião continua a dificuldade em perceber o que significa esse caminhar no concreto da vida. Pois, “caminhar juntos” é uma expressão bonita, mas pode não passar disso se não se tornar vida. Por outro lado: 1) “caminhar” em que direcção?; 2) quem inclui este “juntos”? 3) e, por fim, que razões suportam esta inspiração para o caminho da Igreja no terceiro milénio?

Foto de Tyler Nix em Unsplash

«O mundo está a mudar.» — começa assim o filme do “Senhor dos Anéis”. Uma frase que repito várias vezes em diversas situações. Poderia acrescentar que o mundo está ”sempre” a mudar, mas a força daquela frase está na consciência de que essa mudança ocorre no nosso tempo de vida. Isso significa ser importante estarmos atentos ao que está a mudar no mundo e que impacte podem produzir essas mudanças no caminho espiritual que é pessoal e comunitário. Pois, talvez a leitura aberta e franca daquilo que vivemos nos ajude a pensar na direcção do caminho que podemos fazer juntos no âmbito da Igreja sinodal.

Todo o caminho humano orienta-se por valores. E todo o caminho espiritual inclui o humano, mas não se reduz à versão actual da nossa espécie. Os caminhos espirituais vão para além da nossa humanidade, orientando-a para uma contínua experiência de Deus. Daí a razão de rezarmos juntos para percebermos o caminho a fazer entre nós. Não para decidirmos juntos o que fazer, mas para acolhermos juntos aquilo que Deus inspira a cada um e, assim, discernir o caminho que Ele quer que façamos. Pensar na “Igreja da Escuta” sem incluir a experiência de Deus enquanto escutamos pode levar-nos a cair na tentação de se converter num brainstorming empresarial na procura de novas soluções, por exemplo, para Evangelizar. Creio que isso pode levar a uma separação, em vez de distinção, entre os caminhos humano e espiritual.

Se separarmos o caminho humano do espiritual corremos o risco de separar a vida cristã da realidade humana vivida pelas pessoas dia-a-dia. Mas se a vida cristã se unir à realidade quotidiana, o caminho espiritual oferece um testemunho ao mundo de uma humanidade que vai para além de si mesma. Por exemplo, a violência faz parte do ser humano, mas se dermos testemunho de fraternidade, independentemente das diferenças que existem entre as nossas convicções, ou seja, fundando o nosso testemunho numa mente respeitadora, vamos para além do que é humano e transformamo-nos um pouco mais em Deus.

Caminharmos juntos, incluíndo os que pensam de maneira diferente de nós, ajuda-nos a sair da nossa bolha de convicções para as aprofundar com a convicção dos outros (sobretudo quando é diferente da nossa). E o caminho feito juntos, neste caso, significa diálogo, acolhimento, escuta atenta e sincera, partilha de experiências e de pensamentos com clareza. O desafio está em definir os temas a abordar nesse caminho, não por desconhecermos os que orientam o nosso caminhar e precisam de alguma actualização, mas por serem muitos, o que dificulta a escolha por onde começar.

Por outro lado, ao dialogarmos sobre qualquer tópico com pessoas que estão na Igreja e fora dela, é natural que surja o paradoxo entre a experiência do outro quando é oposta à nossa. Diante do paradoxo proveniente da partilha de experiências onde um diz “A” e o outro diz “não-A”, o que fazer? A abordagem transdisciplinar dos contraditórios responde, precisamente, a essa questão. Quando num determinado nível de interpretação e percepção da realidade coexistem experiências contraditórias, é preciso a coragem e o desapego necessários para se encontrar o “terceiro incluído”, isto é, aquela ideia/experiência-chave que está a um nível de interpretação e percepção da realidade diferente que resolva, ilumine e una os contraditórios, ajudando-nos a caminhar para uma unidade do conhecimento daquilo que acontece no nosso caminho.

Concretizando, um dos assuntos que se sobressai mais no percurso da sinodalidade é a relação entre clero e laicado. Essa relação faz-me pensar no binómio que experimento entre alunos e professores. É comum pensar-se que o professor sabe e o aluno deve aprender. É verdade, mas nem sempre o professor sabe e o aluno deve, também, ensinar se quiser aprender. Depois, a visão mais comum entre professores e alunos é a da verticalidade onde os primeiros estão em cima e podem fazer o que querem (infelizmente existem casos destes) e os alunos estão por baixo e devem aceitar tudo o que lhes impingem. É uma verticalidade que distorce a realidade e destrói a evolução pessoal. Uma visão mais próxima seria a do professor que tem mais experiência e, por isso, os alunos podem beneficiar da sabedoria que dela provém. E os alunos, que estão menos cristalizados no conhecimento que possuem, podem desafiar o que sabem os professores com a sua imaginação, despertando a curiosidade em relação a cada matéria.

A visão menos comum, mas igualmente importante, é a da horizontalidade, onde professores e alunos fazem parte da mesma cultura universitária. Uma cultura de proximidade onde reconhecemos que por detrás de cada papel (professor ou aluno) está uma pessoa com dons e limites. É um equilíbrio dinâmico entre a verticalidade e a horizontalidade que perfaz a cruz do caminho que podemos percorrer juntos. Seja no âmbito da educação, como no âmbito do povo de Deus feito de clero e laicado.

A lentidão que muitos sentem em relação a todo este processo pode advir de como a vivência da sinodalidade não está sujeita a prazos, se se pretende que seja profunda e transformativa, nem se deve sujeitar a vontades (seja do clero como do laicado). Se queremos caminhar juntos temos de reconhecer que as pessoas podem ter ritmos de compreensão e vivência diferentes. Acertar o passo é uma necessidade de qualquer caminho que fazemos juntos. O facto de haver um prazo (2023), a aceleração num momento de viragem esperado para a Igreja pode derrapar se os “pneus” não estiverem bons. Isto é, se não assegurarmos a boa aderência entre o “pneu” da vida cristã e o “piso” da realidade humana.

Se existem muitos assuntos que fazem parte do caminho sinodal penso que o passo mais concreto seria identificá-los. Depois, assim como no ensino, o sucesso do caminho da aprendizagem está na ligação interior que fazemos entre o conceito e a vida. Por vezes sinto que somos excelentes a esclarecer conceitos, mas menos bons a traçar os caminhos de aproximação dos conceitos à vida. Por exemplo, se Jesus é a verdade, será que as pessoas se dão conta da ameaça que a desinformação representa para o próprio conceito de verdade? Seremos ainda capazes de reconhecer a verdade em Jesus ou estaremos demasiado influenciados pela imagem (boa ou má, mas irreal) que a desinformação nos oferece d’Ele?


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