Proteção de Menores: «Enquanto não fizermos justiça às vítimas do passado, o nosso trabalho de prevenção não será totalmente credível» – Padre Hans Zollner

Especialista do Vaticano orienta formação para dioceses portuguesas

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Lisboa, 28 mai 2021 (Ecclesia) – O padre Hans Zollner, membro da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores (CPTM), disse hoje à Agência ECCLESIA que o trabalho da Igreja Católica na resposta aos casos de abusos sexuais exige maior atenção às vítimas.

“Enquanto não fizermos justiça às vítimas do passado, o nosso trabalho de prevenção não será totalmente credível”, referiu o religioso jesuíta, presidente do Centro para a Proteção de Menores, integrado no Instituto de Psicologia da Universidade Pontifícia Gregoriana.

“Este é uma chaga, que temos de assumir, como Igreja, também como sociedade”, acrescentou.

O sacerdote está em Portugal para dirigir várias ações de formação sobre a resposta a eventuais casos de abusos sexuais de membros do clero e instituições católicas e a proteção de menores.

“Estou convencido que deveria ser obrigatório para um bispo, um provincial religioso ou um padre ouvir as vítimas, refletir, rezar com elas”, indicou.

O padre Hans Zollner admite que, em muitos países, ainda não se chegou a uma “verdadeira escuta” das vítimas, a um “verdadeiro diálogo”.

“Tem de ser uma verdadeira escuta e um diálogo contínuo, que exige muito tempo, muita energia”, observa.

Para o responsável do Vaticano, é preciso também evitar um novo abuso, em que “a dor e a ferida” de quem foi abuso sejam “instrumentalizadas” por responsáveis católicos.

A entrevista abordou a nomeação, este ano, de Juan Carlos Cruz, vítima de abusos sexuais, como membro da CPTM; o chileno foi responsável pelas denúncias dos crimes cometidos por Fernando Karadima, expulso do sacerdócio por Francisco em 2018.

Foto: Agência ECCLESIA/HM

O presidente do Centro para a Proteção de Menores destaca a importância de ter no Vaticano o contributo de “uma das vítimas mais conhecidas em todo o mundo”.

Para o padre Zollner, a cimeira de 2019, com representantes dos episcopados de todo o mundo, foi um “passo importante” para toda a Igreja Católica.

“Pela primeira vez, foi tomada em consideração a responsabilidade dos bispos, não quando abusam, eles próprios, mas quando são negligentes, obstaculizam ou impedem o que o Direito Canónico prevê” face às acusações, precisou.

O motu próprio ‘Vos estis lux mundi’ (2019), assinado pelo Papa Francisco, prevê penas para quem falhe na execução das normas previstas.

“Vimos, ultimamente, uma tomada de consciência e também decisões, bispos que foram demitidos porque obstaculizaram, impediram ou deixaram de executar os procedimentos previstos”, assinalou o padre Zollner.

O objetivo é “investigar quando há denúncias” e “penalizar quando há abusadores”.

É uma prioridade muito clara para o Papa e ele próprio disse que aprendeu muito, nos últimos anos, com a realidade do sofrimento das vítimas”

A Conferência Episcopal Portuguesa vai promover este sábado, em Fátima, um encontro de formação sobre o tema da proteção de menores, orientada pelo padre Zollner.

A iniciativa destina-se a bispos e membros das comissões diocesanas que, nos últimos anos, foram nomeadas para este setor, por determinação do Papa Francisco.

O religioso jesuíta, membro da CPTM desde a sua criação, em 2014, vai falar sobre a ‘proteção de menores e de pessoas vulneráveis como parte integrante da missão da Igreja’ e ‘a missão das comissões diocesanas para a proteção de menores e de pessoas vulneráveis’.

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Um trabalho que já o levou a cerca de 70 países, oferecendo formação e procurando passar a mensagem de que “é urgente atuar, implementar o que a Santa Sé prescreve”

O entrevistado fala em “avanços significativos” em países como a França, Irlanda e zonas dos EUA, mas admite que a, nível mundial, há atrasos na implementação das comissões de proteção de menores, por causa da pandemia e de “dificuldades objetivas”, como guerras e catástrofes naturais, mas também por uma “resistência bastante forte” de alguns responsáveis.

O responsável do Vaticano rejeita que a pandemia e a crise económica venham a ser usada como justificação para “cortar recursos” na proteção de menores e destaca que a Igreja está na linha da frente quanto aos programas de salvaguarda e de criação de ambientes seguros, com investimento na seleção e formação do seu pessoal.

“Hoje em dia, em muitas zonas do mundo, as crianças estão mais seguras numa instituição católica do que noutras, porque a Igreja Católica levou muito a sério este trabalho”, aponta.

Nunca podemos excluir totalmente que haja casos, mas podemos fazer muito e a Igreja tem-no feito”.

Esta segunda-feira, o padre Zollner vai falar aos superiores das congregações religiosas em Portugal, numa sessão de formação em Fátima, e na terça-feira encontra-se com o clero de Braga.

“É preciso chegar a um outro nível de compromisso, para lá da letra das diretrizes, da lei: é preciso ter esta missão a peito”, sustenta.

Segundo o responsável, o trabalho de prevenção e de resposta às vítimas de abusos sexuais “faz parte da missão integral e integrante da Igreja”.

“A minha mensagem às pessoas que estão comprometidas neste setor é que fazem um trabalho que não está à margem, não é sujo, não é ‘difícil’. Sim, é verdade, de alguma maneira, mas é o trabalho que Jesus Cristo está a fazer com a sua Igreja”, conclui.

OC

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