Portugal: «Ninguém tem a real noção da criminalidade» contra crianças, diz responsável da APAV

Carla Ferreira alerta para impacto da violência doméstica, abusos sexuais e da pobreza, com casos de fome

Porto, 26 mai 2024 (Ecclesia) – Carla Ferreira, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), afirmou que ainda está por determinar a dimensão da criminalidade que atinge crianças em Portugal, alertando para o impacto da violência doméstica, abusos sexuais e da pobreza.

“Nós não temos a real noção, ninguém tem a real noção da criminalidade que efetivamente acontece. Temos uma noção da criminalidade que é reportada, diria que é a ponta do icebergue”, refere a convidada da entrevista conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.

Entre 2022 e 2023, a APAV registou mais de 10 mil crimes contra menores, um aumento de 18% nesse período.

A responsável admite que esses números não digam respeito a um “aumento da criminalidade propriamente dita”, nos anos em causa, sublinhando que as crianças “muitas vezes só se conseguem aperceber de que foram vítimas de violência alguns anos depois de ela ter acontecido”.

O medo da denúncia é real e eu diria que é real em todas as faixas etárias. Nas crianças, mais do que o medo da denúncia, muitas vezes temos o desconhecimento”.

A entrevistada precisa que seis em cada dez crimes são de violência doméstica, no caso dos crimes sofridos contra crianças, e outros três em cada dez são de natureza sexual.

Outra preocupação é a violência entre as próprias crianças, que “é muito mais do que uma brincadeira e pode ter repercussões muito significativas”.

Carla Ferreira pede que se superem discursos de “validação” de comportamento violento como “forma adequada de resolver problemas”.

“Temos tido situações de bullying, mas as situações, acredito, são também muito pouco reportadas, precisamente porque ainda há esse discurso de normalização da violência, quer da parte das próprias famílias, quer da parte também da comunidade que está em redor. E é esse discurso também que tentamos contrariar todos os dias”, aponta.

Foto: RR

Para a responsável, é precisa que todos assumam o seu papel na proteção dos menores, elogiando iniciativas como a I Jornada Mundial Crianças, convocada pelo Papa e que se encerra esta manhã.

“Se a estas iniciativas pudermos acrescentar a dinâmica de pensar e ajudar também as crianças a reconhecer-se como sujeito pleno de direitos, com direito a crescer na liberdade e direito a crescer em segurança, diria que temos aí uma receita muito boa para podermos fazer esse trabalho conjunto”, acrescenta.

A entrevistada pede uma estratégia “nacional e transversal” para o combate à pobreza infantil, lamentando que, “num país desenvolvido como Portugal, em pleno século XXI, haja crianças a passar fome”.

Quanto aos casos de abusos sexuais, Carla Ferreira entende que a sociedade tem de “fazer melhor”, apesar dos avanços dos últimos anos, referindo que existem “crianças abusadas durante praticamente toda a sua infância”.

“Quando recebo uma situação de uma criança que tem 15 anos e foi abusada desde os 4, isso tem de nos levar a refletir”, sustenta.

Questionada sobre o impacto da violência doméstica, a responsável da APAV pede maior atenção para este problema, realçando que “é altamente nefasto para uma criança crescer num ambiente de violência, ainda que esteja, entre aspas, apenas a assistir”.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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