Portugal: Combate à pobreza é uma «decisão política» e revela falta de «consenso» e de «miopia» no debate eleitoral

Carlos Farinha Rodrigues valoriza papel do Papa Francisco e lamenta «falta de empenho dos católicos na consensualização da pobreza como desígnio nacional»

Foto: Agência ECCLESIA/HM

Lisboa, 18 jan 2022 (Ecclesia) – O professor de Economia Carlos Farinha Rodrigues afirma que o combate à pobreza é uma “decisão política”, lamenta que este não seja um “desígnio nacional” e assinala a ausência do tema nos debates decorrente de uma “miopia política”.

“Os problemas não são essencialmente técnicos nem financeiros. É um problema de vontade política que (indica) qual a prioridade que os decisores públicos atribuem ao combate à pobreza”, assinala o investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) à Agência ECCLESIA.

Os portugueses vão eleger no dia 30 de janeiro o governo para os próximos anos em Portugal e o investigador lamenta que, em duas semanas de debates com os partidos com assento parlamentar, o combate à pobreza não tenha sido abordado.

“É lamentável que as questões da pobreza e da exclusão social praticamente tenham estado ausentes do debate. Existe alguma miopia política em não trazer para o debate as questões da pobreza e exclusão social”, assinala.

O Instituto Nacional de Estatística revelou dados que dão conta de um retrocesso nos indicadores de pobreza: em 2020, segundo dados revelados pelo INE em dezembro de 2021, “200 mil pessoas que caíram em situação de pobreza”.

Carlos Farinha Rodrigues recorda que nos últimos “cinco, seis anos”, verificava-se uma “evolução extremamente positiva nos principais indicadores de pobreza, desigualdade e exclusão social” que retrocederam perante a pandemia.

De um legado “trágico” que a pandemia está a deixar até à verificação de uma tendência ou de um “momento pontual” no retrocesso dos indicadores de pobreza, o investigador assume cautela.

“Isso vai depender da evolução da pandemia, que continua envolta em grandes níveis de incerteza, mas depende em muito das políticas públicas que forem implementadas para combater, contrariar, este agravamento da situação social. E é nesse sentido que estas eleições são particularmente importantes”, sublinha.

O investigador explica que os fundos no âmbito do Programa de Resolução e Resiliência (PRR) sendo “importantes” não podem ser “isolados” de outras políticas públicas, concretamente da agenda 2020-2030.

“Quando olhamos para qual vai ser o papel destes vários fundos no combate à pobreza e à exclusão social, eu diria que provavelmente o papel principal, até nem vem do PRR, mas dos outros instrumentos, porque o PRR é fundamentalmente um programa de investimentos públicos e em grande medida nós não podemos pensar que o PRR vai resolver o problema da pobreza. Podem dar um contributo muitíssimo importante para inverter a situação de pobreza em Portugal mas os problemas não são essencialmente técnicos nem financeiros. É um problema de vontade política que qual a prioridade que os decisores públicos atribuem ao combate à pobreza”, garante.

Carlos Farinha Rodrigues sublinha que a pobreza “não é um problema dos pobres” mas “nacional e de conjunto” e reforça o quanto a pobreza diminui a coesão social.

“Deveria ser um aspeto, claramente, abordado nesta campanha eleitoral”, valoriza.

O contexto de “profunda crise sanitária e social” mostrou, na opinião do investigador, a necessidade de Portugal ter “um Estado social forte”.

“A pandemia permitiu evidenciar lacunas e fragilidades do nosso Estado social, algumas já conhecidas, outras que de todo nós não nos tínhamos apercebido da sua importância. A economia do pequeno biscate, que tantas vezes serve de almofada para amortizar os efeitos da crise, desta vez teve de parar, deixando de pessoas completamente sem rendimentos, pessoas que tinham uma relação ténue com o mercado de trabalho e estavam fora do sistema normal de proteção social”, recorda.

O professor de Economia destaca o contributo que o Papa Francisco na “chamada de atenção para a produção e distribuição dos recursos”, para “as questões sociais, para a defesa da Casa Comum, sobre que sociedade deixar às futuras gerações”.

“Com o Papa Francisco assistimos a um certo renovar da Doutrina Social da Igreja, renovação que passa essencialmente por ir além do diagnóstico e passar à ação com medidas concertas para combater e erradicar a pobreza. A DSI, e em particular este novo impulso que está a ter, é fundamental no sentido de conseguirmos que a sociedade no seu conjunto assuma este desígnio de combater a pobreza”, assinala.

O professor lamenta, no entanto, “uma falta de empenho dos católicos na consensualização de, como sociedade, se fazer do combate à pobreza um desígnio nacional”.

HM/LS

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