Porto: As duas universidades de Germano Silva – a ilha do «Cruzinho» e a avó analfabeta que o ensinou a rezar

Jornalista de 93 anos, acarinhado na cidade do Porto, fala da do seu percurso cívico e humano e das histórias que devem continuar a marcar o jornalismo

Agência Ecclesia/MC

Porto, 18 jun 2024 (Ecclesia) – Germano Silva, jornalista de 93 anos, diz que o crescimento na ilha do Cruzinho e o crescimento junto da avó Júlia, foram determinantes na sua vida em formação humana.

“Para mim, a ilha onde eu vivi, o Cruzinho, foi uma universidade, porque aprendi muito, neste sentido de ser útil ao próximo, da partilha, da solidariedade. Eu aprendi com aquela gente”, reconhece à Agência ECCLESIA.

O jornalista recorda diferenças na celebração do São João, no Bairro do Cruzinho, onde cresceu, uma típica “ilha” portuguesa nascida para alojar famílias dos operários, onde o espirito comunitário e humano marcava as relações.

“Ao contrário do que muita gente imagina, ser um estendal de miséria, não era. Era uma comunidade muito unida, com um grande sentido da partilha e da solidariedade. As pessoas podiam andar zangadas umas com as outras, mas se houvesse alguém que estivesse doente ou que precisasse de ajuda, acabava tudo e era preciso juntos centrar todos os esforços no sentido de acudir, de prestar auxílio àquela pessoa que precisava”, indica.

A festa do São João, que se celebra na noite de 23 para 24 de junho, começava a ser preparada em fevereiro, recorda, com a criatividade dos habitantes da ilha e os materiais que se aproveitavam.

Nascido em Penafiel, Germano Silva foi com um ano de idade para o Porto, mas cedo mudou-se para casa da sua avó, Dona Júlia, com quem viveu entre os dois e os sete anos.

“ A minha avó era analfabeta mas sabia tudo da natureza. Para mim, ela era uma mulher sábia. Foi outra universidade na minha vida. Ela ensinou-me coisas da natureza. Havia árvores de fruta que ela própria tinha plantado e mandava-me subir – «Vai buscar ali as cerejas. Traz as que estão picadas dos pássaros, que essas é que são boas». Não tinha relógio mas sabia sempre as horas. Era uma pessoa profundamente religiosa – sabia as orações todas «Nesta cama me deito, com esta manta me cubro. Se a morte vier por mim, os anjos do céu me cubram» – Portanto, era sempre este ritual”, recorda.

A aldeia, onde “cheirava a pão quente” ou a broa feita nas fornadas da avó, “que cortava, depois, junto ao coração”, e o sentido religioso da sua avó, depositou em Germano um “sentimento de gratidão pelos bens recebidos”.

“Aquela gente não tinha dinheiro para ir ao cinema, para ir ao teatro, desciam à cidade para ver as montras. Era o espetáculo que elas podiam ver mas em todas as casas havia livros. As pessoas liam, tinham livros, não eram arredadas da cultura, não, eles tinham cultura”, explica. Germano Silva começou a trabalhar aos 11 anos, porque era preciso ajudar a família, depois de ter feito exame da instrução primária – conheceu o trabalho numa retrosaria, passou pelo mundo operário, nas fábricas, até que conseguiu trabalho no Hospital de Santo António; o jornalismo, em 1956, surgiu depois no contacto com colegas de profissão que procuravam histórias em ambiente hospitalar.

Germano Silva indica a passagem pelo mundo fabril como essencial na sua formação humana.

“Aquelas pessoas eram exploradas de uma maneira intensa. Por exemplo, havia um feriado mas depois tínhamos que dar duas horas a seguir para compensar a paragem. Ora, isso não era feriado nenhum. O toque para começar a trabalhar dava cinco minutos antes e a máquina começava a trabalhar e nós tínhamos de lá estar. Ora, cinco minutos antes, durante o ano, era muito tempo. O próprio ambiente das pessoas, a forma como eram tratadas, marcou-me muito”, recorda.

Foi neste ambiente que Germano conheceu a Juventude Operária Católica, onde foi militante, procurando, com outros, melhorar a vida das pessoas – ali reconhece um contributo religioso, cívico e humanista: “Era um movimento católico mas tratava das condições dos trabalhadores”.

A “fraternidade e partilha” da ilha do Cruzinho, o mundo fabril e a participação na JOC formaram a sua visão de humanidade e ajudaram a esculpir o jornalismo de contar histórias de pessoas que foi fazendo.

Grato ao Porto que o acarinha, Germano Silva confessa-se tímido, olha para o tempo que tem pela frente e as coisas que ainda quer fazer, procurando continuar a contar histórias de pessoas e da sua cidade.

A conversa com Germano Silva pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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