O temporizador de Deus

Padre Jorge Henrique, Diocese de Lamego

É unânime considerar que foi na Mesopotâmia (por volta do ano 2000 a.C.) que se iniciou o grande percurso da contagem, da divisão e da passagem do tempo, que identificamos como cronológico. Desde então, com acertos, correções, observações e outras técnicas, temos hoje o nosso relógio bem amarrado ao pulso, sendo fácil acertar os ponteiros pela hora certa.

Conscientes deste tempo, fazemos ainda referência ao tempo como períodos da história. É frequente ouvirmos e identificarmos um certo tempo que ficou marcado por um acontecimento importante – guerra, pandemia, desenvolvimento económico, religião, política. É o tempo histórico.

Será, certamente, importante termos ainda outra noção de tempo – o tempo de vida. Entendemos o tempo como referência e unidade que compreende o nascimento, desenvolvimento e morte. E esta noção de tempo conjuga o tempo histórico e o tempo cronológico. Cada um de nós tem noção de que dispõe de um tempo num determinado período que é medido por anos, dias e meses num determinado contexto e período da história.

Esse é o tempo da nossa vida. Proposto como uma visão alternativa, por Peter Leithard, na Bíblia, o tempo é pessoal; não é um recipiente infinito ou uma constante incolor em branco. É moldado pela ação e decisão humanas e assume diferentes tonalidades, dependendo do que somos chamados a fazer.

Fácil é para cada cristão entender que a sua vida no espaço/tempo é como uma moldura que se insere no infinito tempo de Deus. A linha da vida, desde o seu nascimento, oferece oscilações à medida que se prolonga no tempo. Cada unidade de tempo em progresso é marcada pelas escolhas que, oferecidas por Deus, vamos acolhendo e semeando.

Sujeitando esse tempo à cronologia, para o jovem, o tempo passa devagar; para o de meia idade passa depressa; o de mais idade quer fazer parar o tempo. Destarte, culpamos e amamos o tempo pela lentidão, culpamos e amamos o tempo pela rapidez, culpamos e amamos o tempo pelo seu movimento; consoante nos traz sofrimento e tristeza ou surpreende com alegria e bem-estar. Olhamos para trás ou para a frente no tempo, contemplamos visto de cima ou de baixo. Mas o período de tempo foi sempre o mesmo.

A medida desse tempo pode ser em anos, meses, dias, horas e segundos num determinado período histórico. Mas será esta a medida utilizada por Deus? Melhor ainda, como conta Deus o tempo que Ele dá a cada um de nós? Se em dez segundos podemos fazer uma boa ação, não será, para Deus, a boa ação a medida desse tempo? Em um minuto se pode salvar a vida de alguém, porque não poderá essa medida de tempo, para Deus, ser antes a salvação de uma vida? Quando passamos uma hora em oração, não será antes a intensidade e profundidade com que rezamos que Deus conseguirá medir?

Desconcertantes são as palavras do autor sagrado do livro de Eclesiastes. Há tempo para tudo, mas – acredito – nem tudo será contado por Deus para medir a nossa vida. O tempo mais longo, mais somado, mais contabilizado será a verdadeira felicidade que cada um possa viver e sentir. E foi assim que o autor sagrado compreendeu que não há felicidade para o homem a não ser a de alegrar-se e fazer o bem durante a sua vida (Ecl. 3, 12).

Diria mais, não será tempo contabilizado no temporizador de Deus aquele que não seja vivido a fazer o bem, a ser feliz e fazer felizes os outros. Só esse tempo será contado, só esse tempo será vivido.

Em três dias, Jesus deu aos homens todo o tempo porque lhes deu a Sua vida. Serão apenas três dias para nós, mas para Deus foi a infinitude do tempo porque foi a entrega total e plena de Seu Filho para nos dar a vida que não terá nenhum fim. O tempo pascal é tempo de graça para contarmos muitos e longos anos, pelo tempo de Deus, em apenas cinquenta dias, pelo nosso tempo; pelo menos, assim será contado por Ele se vivermos bem a alegria e o testemunho da Ressurreição.

Padre Jorge Henrique, pároco de Pendilhe e de Vila Cova à Coelheira, na Zona Pastoral de Vila Nova de Paiva

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