O sapo somos nós

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Imaginem estar num acampamento a começaram a aquecer água para cozer arroz. Sem nos darmos conta, um sapo salta para dentro da panela. A água vai aquecendo – ”está-se bem…” – pensa e sente o sapo. Mas o fim da história todos sabemos qual é. Também o sapo, sem se dar conta, coze e morre. O sapo somos nós.

Aparentemente, uma vez mais, no COP25 em Madrid, Conferência das Partes dedicada às alterações climáticas, as negociações para que os países assumam metas ambientais mais ousadas falharam. Esta é uma conclusão que persiste desde os acordos de Paris em 2016 e Trump foi eleito presidente dos EUA. Mais do mesmo, ano após ano. O sapo sente-se confortável enquanto a água aquece.

Por que razão existe tanta insensibilidade apesar dos inúmeros apelos nas ONGs, países mais pobres, iniciativas como as de Greta Thunberg e até dos apelos do Papa Francisco? Por que razão ninguém parece estar realmente ciente do futuro a que estaremos sujeitos se nada fizermos?

«O Clima é, muito possivelmente, o assunto mais chato que o mundo da ciência alguma vez teve de apresentar ao público.» (Randy Olson, biólogo e produtor)

O que é entediante distrai-nos e não ligamos muita importância. Como tão depressa está frio, como está calor, e as notícias que nos chegam através dos meios de comunicação social, ou redes sociais, entram apenas pelos ecrãs, não pela pele; a tendência é a de reagir como fazemos a uma série: um “bom” entertenimento. Talvez por isso, o escritor indiano Amitav Ghosh tenha escrito no seu livro The Great Derangement (A Grande Disfunção) que «a crise climática é, também, uma crise cultural, e, por isso, da imaginação.»

Daí que escritores ambientalistas como Jonathan Safran Foer (We are the Weather, trad. Nós Somos o Clima) afirmem esta como uma crise de crença. Ou seja, as pessoas até estão de acordo com a origem das alterações climáticas na actividade humana, e até pensam que os cientistas dizem a verdade, mas, na prática, os estilos de vida gritam que não acreditam que o clima afectado possa afectar as suas vidas.

Há um imperativo ético que devia abanar a nossa consciência colectiva e levar-nos a estar dispostos a pequenos sacrifícios no momento presente que evitassem o cataclismo ambiental que se avizinha. Mas, parece que nem as manifestações dos jovens ao fazerem greve às aulas resulta (algo que já previa).

A conversão ecológica, cujo apelo vem desde São João Paulo II, não é um exercício intelectual. Daí que saber melhor o que se passa na situação actual, através da divulgação do conhecimento científico desenvolvido, seja insuficiente. É preciso fazer melhor e acreditar que o pouco que cada pessoa possa fazer inspire outros.

Não chega aceitar a emergência climática como uma realidade factual. É preciso acreditar que a mudança cultural e espiritual exigidas aos nossos estilos de vida sejam concretos. Caso contrário, não somos melhores do que aqueles que negam a acção humana como causa das alterações climáticas.

Porém, talvez o leitor pergunte-se que passos pode mais dar depois de ter substituído as lâmpadas em casa por LEDs, diferenciado o lixo, investido em produtos reutilizados, reciclados, ou mesmo reduzir o seu consumo. Não é suficiente o que fazemos? Que mais pode fazer o comum mortal como eu e o leitor?

Duas sugestões: 1) comamos menos; 2) e passeemos mais pela natureza. E se achar estas sugestões ridículas, óptimo! Quer dizer que estão ao alcance de qualquer pessoa, verdade? Ou, então, verá como considera ridículo algo que, afinal, não é tão fácil assim. Acredite mais, fazendo melhor. Só com a experiência seremos “sapos” que adquirem consciência plena (noofulness) das consequências que acções pequenas podem ter no contexto global, podemos aspirar a darmo-nos conta e testemunho de como sair da água a aquecer enquanto é tempo.

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