O aborrecimento não é trágico

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A pessoa que hoje tem dificuldade em lidar com o aborrecimento perde uma das maiores fontes de compreensão do mundo e de si própria.

Quando estamos na missa e a homilia parece dizer-nos pouco sentimo-nos aborrecidos. Hoje há quem tenha perdido o escrúpulo e não resista a ver se tem novas mensagens no seu telemóvel, ou se existe algo de novo – e menos aborrecido – no mural das redes sociais.

Quando estamos na fila de um hipermercado para pagar as nossas compras sentimo-nos aborrecidos e o gesto de tirar o telemóvel passou a ser o mais comum.

O aborrecimento parece uma tragédia finalmente resolvida com a possibilidade que temos de ter nas nossas mãos uma fonte eterna de divertimento e combate ao tédio. É uma pena porque o aborrecimento é muito mais valioso do que possamos imaginar à partida e pode ser até benéfico.

O aborrecimento ajuda-nos a compreender o tempo e nós próprios.

 

O Antídoto

Podemos não nos dar conta, mas quando nos sentimos aborrecidos experimentamos o tempo na sua forma e conteúdo mais puros. E em vez de explorarmos esse contacto privilegiado com o tempo, optamos por entrar no mundo da distracção que chega ininterruptamente às nossas mãos pelos pequenos écrans.

E se muitos de nós temos memória de um passado onde a experiência do tempo que passa não se traduzia logo em aborrecimento, hoje, sobretudo para os mais jovens, o desconforto que sentem com o passar do tempo sem estarem a fazer alguma coisa com os dedos é grande e não têm outra experiência senão esta. O facto dos mais velhos não darem o exemplo, significa que falhamos na missão de ensinar aos mais jovens como sentirem-se mais confortáveis com o tempo e tirarem partido dele.

”Uma geração que não consegue aguentar o tédio será uma geração de homens pequenos, de homens excessivamente divorciados do processo lento da natureza, de homens onde cada impulso vital se definha lentamente como se fossem flores cortadas num vaso.” (Bertrand Russell)

Qual é, então, o antídoto para o drama do aborrecimento?

Pensar.

 

Encontro com os pensamentos

Pensar é o melhor antídoto para o aborrecimento. Se estás a viver um momento de tédio, pensa nisso. Em alemão, a tradução para a palavra tédio é langeweile cuja etimologia aponta para um longa pausa que expressa como o tempo parece mais lento quando estamos aborrecidos.

O drama que essa longa pausa traduz é a tortura que muitas pessoas sentem quando são incapazes de estar a sós com o que lhes passa pela mente. Daí que educar a lidar com o que designaria por silêncio cognitivo seja crucial.

Observa como a tua mente responde ao aborrecimento. O que sentes quando estás aborrecido? Em que pensas? Ao contrário do que se pensava antigamente, estar junto com os nossos pensamentos não é uma forma de distracção, mas um modo de compreender o que se passa dentro de nós e de processar o que se passa com o mundo, ou seja, fora de nós.

O aborrecimento é o momento de pausa em que as emoções se recolhem na tranquilidade, como diria o poeta William Wordsworth, e damos espaço à reflexão que dá sentido e significado às horas vazias onde estamos, simplesmente, ali, naquele lugar qualquer, e vivemos a única coisa que realmente temos… o presente.

O silêncio cognitivo é o momento de encontro com os nossos pensamentos. Um momento de pausa que é mais fácil de encontrar quando sentimos o aborrecimento ou tédio. Mas é algo mais.

”O tédio é o último privilégio da mente livre.” (Gayatri Devi)

A mente que ao encontrar-se livre com os seus pensamentos cria a oportunidade de se encontrar com a sua maior fonte de inspiração… Deus.

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