Nem poesia, nem amor, nem santidade

Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto

Por estes dias, veio-me à lembrança um texto dos “Contos exemplares” de Sophia de Mello Breyner Andresen: o retrato de Mónica. A personagem central desse conto leva uma vida de grande agitação, dedicada a mil coisas de grande e falso mérito, cultura, política, mesmo a obras ditas de caridade. Sucede que para conseguir chegar a tudo teve de renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade. Este diagnóstico é terrível a respeito do modo como vivemos na sociedade de hoje e mesmo na Igreja.

Foram várias as ocasiões em que liguei o texto com acontecimentos do quotidiano. O primeiro deles foi o tratamento que um grande jornal deu à vida religiosa do nosso Presidente da República. A vida pessoal dos políticos pode e deve ser tratada pela comunicação social, mesmo a sua atitude religiosa. Porém, para tratar um tal assunto é necessário ter competência e essa competência não abunda nas redações. Por isso, o nosso Presidente é vítima de um tratamento que não lhe faz justiça. O religioso é pessoalíssimo e, por isso, não pode ser tratado sem capacidade de entrar numa dimensão que não é permeável à prosa sociológica ou jornalística, ainda para mais quando se usa um discurso laico omnisciente, carregado de ironia e de altivez racionalista. Por esse caminho, não se entra na alma de ninguém nem é lícito tirar quaisquer conclusões sensatas sobre o assunto. Para caracterizar a atitude religiosa de alguém é necessário o que Sophia chama “poesia”, ou seja, uma palavra que não descreve, mas que se recebe de uma escuta e de uma empatia com a personalidade sobre quem se fala. O tratamento do tema da fé religiosa na nossa comunicação social anda pelas ruas da amargura. Abunda a descrição crua da superstição, a exploração do crime, quando se trata de falar dos abusos em contexto religioso. Não há uma palavra poética sobre a atitude religiosa enquanto respiração da alma, enquanto vida conseguida do sujeito crente. A nossa teologia também não ajuda muito a isso, pois concentra a sua atenção preferentemente sobre assuntos epistemológicos e pouco se preocupa em inventar caminhos de dar a viver o mistério onde o sujeito é dado a si mesmo em liberdade e felicidade.

O segundo assunto que me arranhou os ouvidos foi o tratamento dado a uma indiscrição de algum bispo italiano que veio contar em público uma palava do Papa Francisco, dita no resguardo de uma conversa privada, sobre os seminaristas homossexuais. Deixando de lado a intenção de quem trouxe para público o assunto, certamente para embaraçar o Papa, o que resta é mesmo o modo de tratar as pessoas como se de coisas se tratasse. É um pouco irritante o modo como se trata este assunto de grande complexidade. Há uma hipocrisia manifesta à volta dele. As pessoas homossexuais que demandam o sacerdócio por interesse em reciclar uma incomodidade, não dão conta que estão a jogar com a sua própria vida. Por outro lado, os que têm por missão tomar decisões sobre a vocação das pessoas homossexuais pouco se interessam pelas pessoas que têm diante de si e apenas tratam da homossexualidade como um objeto. Ambos os caminhos falham a sinceridade e a frontalidade evangélica. O Papa Francisco, que não é suspeito de hipocrisia neste assunto, encontra sempre uma surda oposição por parte de pessoas que o rodeiam, quando leva a sério a ética da homossexualidade. O tema continua a ser altamente relevante e necessita de ser tratado para lá da barbárie do discurso dominante, tanto dos que beneficiam com a sua suposta virtude homossexual, como dos que a ostentam a sua condição como uma forma de orgulho existencialmente infundado. Nos dois casos, falham a vida, mesmo que sejam sacerdotes. E é preciso evitar que isso aconteça.

Muitos outros contextos se poderiam enumerar sobre este modo de tratar os assuntos de ética sem poesia, sem amor e sem santidade. A atitude religiosa, como Jesus a partilhou connosco, é o nervo da personalidade enraizada na realidade, para lá da ignorância, da banalidade, da hipocrisia, da neurose, da negação. Mas para lá chegar ocorre uma atenção, uma inteligência e uma conversão contínua.

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