“Meu pai era um arameu errante” (Dt 26, 5)

Pe. Hugo Gonçalves, Diocese de Beja

Com estas palavras do livro do Deuteronómio, queria hoje refletir sobre uma realidade que enfrentamos no nosso país, mas que está essencialmente centrada na região do Baixo Alentejo, a qual corresponde, em grande parte, ao território da Diocese de Beja – essa realidade, que tem estado debaixo dos holofotes da comunicação social é a da exploração de imigrantes.

O projeto do Alqueva transformou a planície alentejana, alterando a sua paisagem. As culturas de sequeiro dão agora lugar ao olival intensivo, a amendoais e a outras árvores de fruto, culturas hortícolas e frutos vermelhos – culturas mais rentáveis para os agricultores. No entanto, este tipo de culturas extensivas e intensivas necessitam do emprego de muitos trabalhadores, os quais não existem em número suficiente na região e nem mesmo no país. De facto, o Alentejo, como todo o interior do país, sofre a erosão da desertificação populacional, fazendo com que os proprietários, os agricultores, na falta de mão-de-obra local e nacional, busquem nas empresas ditas de ‘trabalho temporário’, a resposta às suas necessidades.

É neste contexto que vemos surgir e proliferar as redes de trafego e exploração humana. São essencialmente homens, aqueles que chegam vindos de países asiáticos como o Nepal, o Bangladesh e a Índia e, ultimamente, de Timor-Leste. Partem dos seus países como partiram os portugueses nos anos sessenta e setenta para a França, Alemanha, Luxemburgo, etc.; partem em busca de uma vida melhor, para si e para as suas famílias. Atrás deles deixam pais, esposas, filhos e uma divida enorme aos agiotas que lhes vendem o ‘El Dorado’ de Portugal e Europa, a preços insuportáveis. À chegada a Portugal, ao Alentejo, rapidamente os sonhos se transformam em pesadelos: trabalho incerto, o dinheiro fica muitas vezes na posse dos agiotas, casas que mais parecem armazéns onde se amontoam seres humanos, fome, frio, miséria. Aqui todos ganham, menos os imigrantes: os agiotas, exploradores de mão-de-obra escrava, enchem-se com o dinheiro que não lhes pertence e fogem ao controlo das autoridades que ainda não se adaptaram a esta nova realidade; os agricultores não têm que se preocupar em contratar individualmente os trabalhadores para as suas explorações agrícolas, contratam estas pseudo-empresas de trabalho temporário sem se preocupar em analisar a fundo as suas raízes, sem se preocuparem com a situação daqueles que lhes colhem os frutos da terra e lhes trazem riqueza; e depois há aqueles que ganham com as rendas das casas superlotadas, ou de armazéns transformados em camaratas sem dignidade, sem quaisquer condições de habitabilidade – cem a cento e cinquenta euros por pessoa.

Em 2009, o então Bispo de Beja, D. António Vitalino denunciava esta situação, o que levantou à época um grande burburinho, no sentido de dar algum descrédito às suas palavras. Passados que são alguns anos, a sua denuncia torna-se visível nas centenas de imigrantes no concelho de Odemira, que por altura da pandemia, tinham sido contagiados pelo Covid19. Nesse momento o país descobriu a situação deplorável em que viviam largas centenas de imigrantes. As autoridades colocaram-se então no terreno e procuraram averiguar e dar solução aos inúmeros problemas destas pessoas, no entanto parece que ainda há muito por fazer e exemplo disso é o que se passa com os inúmeros timorenses que vieram para cá e que se encontram em situação de emergência, alguns a viverem na rua. Foi novamente a comunicação social que despoletou e alertou para a situação, com base nas denuncias da Cáritas de Beja entre outras entidades e alguns particulares.

Não bastasse esta situação de indignidade humana, estas pessoas sofrem ainda o flagelo, o estigma do preconceito por parte dos portugueses, porque eles se vestem de forma diferente, porque tem cor de pele diferente, porque até podem ter comportamentos diferentes dos nossos. Esta situação de precaridade, de quase mendicância, a incompreensão de alguns dos portugueses tem feito aumentar os movimentos populistas que vêm com maus olhos a presença destas pessoas. Num país envelhecido, a perder população, não se compreende este tipo de posições e muito menos se compreende num país cuja população maioritariamente se afirma como cristã. Esta forma de pensar que se expressa depois em palavras de ódio e de rancor e que manifestam um fechar de coração ao outro e ao seu sofrimento, contradiz a fé cristã que assenta os seus pilares  na Palavra de Deus, no Evangelho e na pessoa de Jesus Cristo. O acolhimento do outro, a ajuda aos pobres, o cuidado com o estrangeiro está bem patente na Sagrada Escritura; estes imigrantes são imagem e semelhança de Deus, são aqueles que têm fome, que têm sede, que são peregrinos e que precisam do nosso auxilio e amor (cf. Mt 25, 35-40), nos quais se revela o rosto do Senhor Jesus sofredor. Ser cristão, ser católico é ter o coração aberto para amar os outros como o Senhor nos amou, e sem fazer aceção de pessoas.

 

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