Mensagem do Papa para o XXXI Dia Mundial do Doente (11 de fevereiro de 2023)

«Trata bem dele» (Lc 10,35)
A compaixão como exercício sinodal de cura

Queridos irmãos e irmãs

A doença faz parte da nossa experiência humana. Mas pode tornar-se desumana, se for vivida no isolamento e no abandono, se não for acompanhada pelo cuidado e pela compaixão. Quando caminhamos juntos é normal que alguém se possa sentir mal, que tenha de parar por causa do cansaço ou por alguma dificuldade no percurso. É exatamente nesses momentos que se vê como estamos a caminhar: se caminhamos verdadeiramente juntos ou vamos pela mesma estrada, mas cada um por sua conta, dando atenção aos seus próprios interesses e deixando que os outros “se arranjem”. Por isso, neste XXXI Dia Mundial do Doente e em pleno percurso sinodal, convido-vos a refletir sobre o facto de podermos aprender, precisamente através da experiência da fragilidade e da doença, a caminhar juntos segundo o estilo de Deus que é proximidade, compaixão e ternura.

No livro do profeta Ezequiel, num grande oráculo que constitui um dos pontos culminantes de toda a Revelação, o Senhor diz-nos: «Sou Eu que apascentarei as minhas ovelhas, sou Eu quem as fará descansar – oráculo do Senhor Deus. Procurarei aquela que se tinha perdido, reconduzirei a que se tinha tresmalhado; cuidarei da que está ferida e tratarei da que está doente. […] A todas apascentarei com justiça» (34,15-16). Naturalmente as experiências de estarmos perdidos, doentes ou frágeis fazem parte do nosso caminho: não nos excluem do povo de Deus. Pelo contrário, colocam-nos no centro da solicitude do Senhor que é Pai e não quer perder pelo caminho nem sequer um dos seus filhos. Trata-se, pois, de aprender com Ele a ser verdadeiramente uma comunidade que caminha em conjunto, capaz de não se deixar contagiar pela cultura do descarte.

A encíclica Fratelli tutti, como sabem, propõe uma leitura atualizada da parábola do Bom Samaritano (cf. n. 56). Escolhi-a como charneira, como ponto de viragem para se poder sair das «sombras dum mundo fechado» (cap. I) e «pensar e gerar um mundo aberto» (cap. III). Com efeito, há uma profunda conexão entre esta parábola de Jesus e as múltiplas formas em que hoje é negada a fraternidade. De modo particular, no facto de a pessoa espancada e roubada acabar abandonada na estrada, podemos ver representada a condição em que são deixados tantos irmãos e irmãs nossos na hora em que mais precisam de ajuda. Distinguir quais os atentados à vida e à sua dignidade que provêm de causas naturais e quais são aqueles que são provocados por injustiças e violências… não é fácil. Na realidade, o nível das desigualdades e a prevalência dos interesses de poucos já incidem de tal modo sobre cada ambiente humano que é difícil considerar “natural” qualquer experiência. Um sofrimento realiza-se sempre numa “cultura” e nas suas contradições.

O que importa, no entanto, é reconhecer a condição de solidão, de abandono. Trata-se duma atrocidade que pode ser superada antes de qualquer outra injustiça, porque para a eliminar – como conta a parábola – basta um momento de atenção, o movimento interior da compaixão. Dois viajantes, considerados religiosos, veem o ferido e não param. Mas o terceiro, um samaritano, alguém que é desprezado, deixa-se mover pela compaixão e cuida daquele estranho à beira do caminho e trata-o como irmão. Procedendo deste modo, sem pensar sequer, muda as coisas, gera um mundo mais fraterno.

Irmãos, irmãs, nunca estamos preparados para a doença. E muitas vezes nem sequer para admitir que avançamos na idade. Tememos a vulnerabilidade e a difusa cultura do mercado leva-nos a negá-la. Não há espaço para a fragilidade. E assim o mal, quando irrompe e nos ataca, deixa-nos por terra, atordoados. Então pode acontecer que os outros nos abandonem ou que nos pareça a nós que devemos abandoná-los a fim de não nos sentirem como um peso para eles. Começa assim a solidão e envenena-nos a sensação amarga de uma injustiça, devido à qual até nos parece que o Céu se fecha. Na realidade, sentimos dificuldade de permanecer em paz com Deus, quando se desfaz a relação com os outros e com nós próprios. Por isso é mesmo importante, relativamente também à doença, que toda a Igreja se confronte com o exemplo evangélico do bom samaritano, para se tornar um “hospital de campanha” válido: a sua missão, com efeito, especialmente nas circunstâncias históricas que atravessamos, exprime-se no exercício do cuidado. Todos somos frágeis e vulneráveis; todos temos necessidade daquela atenção compassiva que sabe deter-se e aproximar-se, que sabe cuidar e levantar. A condição dos enfermos é, assim, um apelo que quebra a indiferença e abranda o passo de quem avança como se não tivesse irmãs e irmãos.

De facto, o Dia Mundial do Doente não convida apenas à oração e à proximidade com aqueles que sofrem, mas, ao mesmo tempo, visa sensibilizar o povo de Deus, as instituições de saúde e a sociedade civil para uma nova forma de avançarmos juntos. A profecia de Ezequiel, já referida atrás, contém um juízo muito duro sobre as prioridades daqueles que exercem, sobre o povo, o poder económico, cultural e governamental: «Vós bebestes o leite, vestistes-vos com a sua lã, matastes as reses mais gordas e não apascentastes as ovelhas. Não tratastes das que eram fracas, não cuidastes da que estava doente, não curastes a que estava ferida; não reconduzistes a transviada; não procurastes a que se tinha perdido, mas a todas tratastes com violência e dureza» (34,3-4). A Palavra de Deus – não só na denúncia, mas também na proposta – é sempre capaz de iluminar, é sempre atual. Na realidade, a conclusão da parábola do Bom Samaritano sugere-nos como a prática da fraternidade, que começou por um encontro tu a tu, se pode alargar para um cuidado organizado. A estalagem, o estalajadeiro, o dinheiro, a promessa de se manterem mutuamente informados (cf. Lc 10,34-35): tudo isto faz pensar no ministério dos sacerdotes, no trabalho dos agentes de saúde e dos agentes sociais, no empenho de familiares e de voluntários, graças aos quais em cada dia, em todo o mundo, o bem se opõe ao mal.

Os anos da pandemia aumentaram o nosso sentimento de gratidão por quem diariamente trabalha em prol da saúde e da investigação. Mas, ao sair de uma tragédia coletiva assim tão grande, não é suficiente louvar os heróis. A Covid-19 pôs à prova esta grande rede de competências e de solidariedade e mostrou os limites estruturais dos sistemas de assistência social existentes. Por isso, é necessário que a gratidão seja acompanhada, em cada país, pela busca ativa de estratégias e recursos a fim de serem garantidos a todo o ser humano o acesso aos cuidados e o direito fundamental à saúde.

«Trata bem dele» (Lc 10,35) é a recomendação do samaritano ao estalajadeiro. Mas Jesus repete-a igualmente a cada um de nós na exortação conclusiva: «Vai e faz tu também o mesmo». Como evidenciei na encíclica Fratelli tutti, «a parábola mostra-nos as iniciativas com que se pode refazer uma comunidade a partir de homens e mulheres que assumem como própria a fragilidade dos outros, não deixam constituir-se uma sociedade de exclusão, mas fazem-se próximos, levantam e reabilitam o caído, para que o bem seja comum» (n. 67). Efetivamente «fomos criados para a plenitude que só se alcança no amor. Viver indiferentes à dor não é uma opção possível» (n. 68).

No dia 11 de fevereiro de 2023 olhamos para o Santuário de Lurdes como uma profecia, uma lição confiada à Igreja em plena modernidade. Não tem valor só aquilo que funciona; não conta só quem produz. As pessoas doentes estão no âmago do povo de Deus, que avança juntamente com elas como profecia duma humanidade onde cada pessoa é preciosa e ninguém deve ser descartado.

À intercessão de Maria, Saúde dos Enfermos, confio cada um de vós, que estais doentes; vós que cuidais deles em família, com o trabalho, a investigação e o voluntariado; e vós que vos esforçais por tecer laços pessoais, eclesiais e civis de fraternidade. A todos envio de coração a minha Bênção Apostólica.

Roma, São João de Latrão, 10 de janeiro de 2023.

FRANCISCO

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