Mensagem de Natal do bispo de Leiria-Fátima

O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles que habitavam na sombra da morte,
uma luz começou a brilhar (Is 9,27). 

Esta frase do profeta Isaías que abre a celebração da noite do Natal, continua a iluminar, ano após ano, a vida de uma grande multidão de pessoas, famílias e comunidades. No ambiente histórico desta solene proclamação do profeta, a alusão às “trevas” e “sombra da morte” não são simples figuras poéticas da escuridão, mas alusões dramáticas à destruição, ao luto e à miséria causada pela guerra, com o seu séquito de violência e destruição, de fome e morte.

Apesar de tudo isso, o profeta teima em anunciar uma mudança de cenário, propondo, em nome de Deus, uma conversão de mentalidades, com atitudes transformadoras e geradoras de um futuro diferente de luz e ternura, de justiça e paz.

A leitura deste e de outros textos do Profeta Isaías, não está longe do cenário em que hoje se encontra a humanidade, a começar pela própria Palestina, onde nasceram estes versos. A semelhança é evidente; apenas difere pelo monstruoso incremento do poder destruidor da indústria letal da guerra de que dispõem hoje o mundo. Além desta guerra na Palestina, outros cenários de conflito e destruição ensombram igualmente o panorama mundial, na Ucrânia, no Iémen, no Sudão e em tantos outros conflitos violentos, terrorismo, discriminação e injustiça, pondo em causa a vida de pessoas e famílias, onde se contam milhares de inocentes crianças e pessoas fragilizadas.

Estas situações, a que se juntam a corrupção e a manipulação de informação e de poder, levam ao descrédito das instituições públicas, a nível nacional e internacional, dando lugar a atitudes de resignação e apatia individualista, bem como ao radicalismo da violência armada ou do desvario manipulador e populista de ocasião. Mas, essas saídas para fora do campo sério do jogo transformador da história não remedeiam os problemas e não criam horizontes de paz duradoura fundada na dignidade, na justiça e na solidariedade, onde possam florescer a luz e o futuro de que fala o profeta.

Há dois milénios e meio que a voz do profeta continua a despertar os adormecidos no comodismo ou na apatia e vem semeando uma Palavra e um sonho de Deus para a humanidade. Não foi inútil esta Palavra poética e profética. Muitos deixaram-se transformar pela profecia e pelo Espírito que a inspira, sonharam o sonho de Deus e levantaram-se do medo, do desânimo e da apatia. Percorreram desertos de descrença e de ausência de meios, contagiaram outros e atravessaram rios de dificuldades e perigos, reconstruiram ruínas, recuperaram campos e pomares, construíram cidades de dignidade e solidariedade e afirmaram a possibilidade de um futuro melhor.

É a essa atitude concreta e transformadora que nos chama o Natal. O otimismo, o sonho criador de futuro, a luz que aquece o coração e move à ação, não são o resultado de tempos fáceis que favorecem visões otimistas e cómodas do amanhã. Sonhar e partilhar o sonho de Deus é particularmente importante e criador, nas situações difíceis e desafiadoras em que vivemos. A luz é particularmente preciosa onde há trevas, o consolo onde existem lágrimas, a reconciliação e a paz onde existem conflitos e guerras.

Hoje, neste Natal, é a nossa vez de nos levantar, de acender a luz da esperança possível, de vencer os desertos da incredulidade e da comodidade, de participar ativamente na construção de um mundo, mais humano, mais justo e em paz, mesmo a custo das distâncias a percorrer, das dificuldades e medos a vencer, das manipulações e derrotismos a superar.  Porque há muitas armas de guerra a transformar em foices e arados; muito troar de canhões, tanques e aviões a substituir por canções de paz e solidariedade; palavras e atitudes de ódio, discriminação e exclusão a transformar em gestos de acolhimento, integração e solidariedade.

A profecia de Isaías apresenta-nos um dom e um caminho para a transformação que o Natal nos propõe: “Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado”. Não há nada de mais contrário ao choro de um recém-nascido que pede tranquilidade, atenção e cuidado, do que o estrondo das armas, a destruição dos meios de vida, os discursos de ódio e de exclusão. No centro do sonho de Isaías, a promessa do menino gera alegria, ternura e esperança, mas propõe-se igualmente como propósito de acolhimento, cuidado atento e amor.

Foi assim que surgiu o Menino, o Filho de Deus, confiado ao cuidado de Maria e José, ao qual deram o nome de Jesus, que significa Salvador. Ele veio para salvar e cuidar, a começar dos mais pequenos e frágeis, mas oferece-se, antes de mais, como um menino, um filho humano, que pede acolhimento, cuidado, atenção e carinho. Porque, acolhendo e cuidando, tornamo-nos melhores, mais humanos e entendemos a realidade concreta do projeto de Deus para transformar o mundo, não destruindo e amedrontado, mas cuidando e acarinhando.

Este é o espírito e a atitude do Natal que celebramos. Não vale apenas um dia, mas é uma atitude de vida, um projeto de família, de Igreja e de humanidade. Transformou a vida de Maria e de José, moveu a solidariedade de habitantes de Belém que acolheram uma família de refugiados, contagiou os pastores mais próximos, de vida sofrida e rude, pôs a caminho sábios magos do Oriente longínquo. Foi para todos eles que soou e se espalhou na terra, o coro dos anjos vindos do céu, que cantavam: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que Ele ama”.

Continuemos a tornar realidade o Natal, fazendo ecoar, com a nossa voz, o canto dos anjos e, com as nossas atitudes transformadas, aquilo que cantamos.

Feliz Natal, na Alegria e na Esperança
que o Menino de Belém nos vem trazer

D. José Ornelas Carvalho
Bispo de Leiria-Fátima

Partilhar:
Scroll to Top