LUSOFONIAS – Mortes que são Vida

Tony Neves, em Roma

Josafat, João, Jacques, Noel, Ernest. Não são apenas cinco nomes. São Padres Espiritanos que morreram todos durante a quaresma, em países diferentes, mas com algo em comum: eram muito jovens, entre os 40 e os 50 e poucos anos. Josafat morreu na Tanzânia, Noel no Malawi, João – moçambicano – em Roma, Jacques nos Camarões e Ernest – nigeriano – em Espanha. A partida prematura destes missionários provocou um choque imenso e faz-nos perguntar a Deus o porquê desta chamada, aparentemente tão precipitada.

Voltemos à história. O mundo vivia um ataque brutal da covid e estes jovens Espiritanos foram recebendo más notícias: uns que tinham um cancro, outros que estavam apanhados por diabetes descontrolados, depressões, dores cervicais insuportáveis. Finalmente, foram chegando aqui a Roma e espalhando-se pelo mundo inteiro, com muita dor, as notícias: o P. Josafat morreu na Tanzânia; o P. Noel morreu no Malawi, o P. Jacques morreu nos Camarões, o P. João morreu em Roma, o P. Ernest morreu em Madrid. Todos jovens demais para as nossas pobres contas de humanos. Cada um partiu, certamente, na sua hora, segundo Deus, o único que sabe fazer as contas bem feitas.

A dor da separação é imensa, sobretudo quando sabemos que todos eles tinham ainda os pais vivos. Estes sofrem sempre mais, porque a natureza diz-nos que é normal um filho ver partir um pai, mas é contra a natureza um pai e uma mãe verem partir um filho à sua frente. Foi o que aconteceu com este cinco padres e podemos todos imaginar o choque que tal morte provocou nas famílias e nas comunidades espiritanas.

Dói muito ver partir quem parece estar com o sangue ainda na guelra, com muito futuro à frente e uma missão ainda por cumprir. Mas Deus, que sabe mais do que nós, chama quando quer e como quer, mesmo que nos provoque sentimentos de alguma revolta interior por não compreendermos as razões de Deus. Olhamos para os jovens padres e perguntamos logo quem é que os vai substituir. Mas a lógica de Deus não é a de uma equipa de futebol em que há um banco de suplentes prontos a entrar à primeira lesão ou quando uma mudança tática se impõe. Não, a lógica de Deus é outra e ninguém é substituível. Cada um tem a sua missão e cumpre-a. Outros virão, com outras missões.

Nunca tal tinha acontecido aos Missionários do Espírito Santo após o massacre que levou à morte de uma vintena de Espiritanos belgas em Kongolo, na República Democrática do Congo, no primeiro dia de 1962. Lá, os missionários estavam juntos, em comunidade e foram mortos por bandidos armados. Aqui, estavam bem longe uns dos outros e foram vítimas de várias doenças.

Os funerais destes jovens Espiritanos, realizados em tempo de pandemia, não puderam juntar multidões, mas provocaram uma onda de consternação à escala do planeta. É um resultado deste tempo de globalização em que as redes sociais põem o nosso coração a bater ao ritmo do mundo e a tornar perto o que está longe. Por isso, pude participar em todos os funerais, sem sair de Roma e partilhar a dor de familiares, confrades e amigos espalhados pelos quatro cantos da Terra.

O dia seguinte a estas mortes foi a celebração da Páscoa. Todos puderam perceber que a noite triste e dolorosa da sexta feira da paixão desemboca na manhã luminosa e feliz da Páscoa da Ressurreição. E é esta fé que nos alimenta e explica os acontecimentos mais dramáticos da vida. Com Cristo e como Cristo há que dar a vida pelos outros e pelos valores em que acreditamos. Ele morreu com 33 anos. O Fundador dos Espiritanos, Cláudio Poullart des Places, morreu com 30. O segundo Fundador, Francisco Libermann, morreu com 50! Estes meus cinco confrades partiram também muito jovens, mas com missão cumprida segundo os critérios de Deus. A quantidade de vida é sempre vencida pela sua qualidade. A Deus pouco ou nada interessa os anos que somamos, mas a dedicação com que vivemos e a entrega aos irmãos que praticamos. O resto são pormenores sem qualquer interesse ou valor.

Estávamos nós a digerir estas dores e a tentar compreender as razões de Deus para estas chamadas, quando o Cardeal Tolentino escreveu: ‘Ensina-nos, Senhor, a atravessar de olhos abertos a Tua Páscoa, como história actual que completamente nos envolve; ensina-nos, Senhor, a acompanhar-Te  no desamparado caminho da Cruz e a faze-lo como Verónica e a comovente disponibilidade do Cireneu; ensina-nos, Senhor, a permanecer como Maria junto à cruz e a aceita-la precisamente ali, como nossa Mãe;  ensina-nos, Senhor, a correr ao lado dos apóstolos Pedro e João e a compreender que hoje se acreditarmos também nós poderemos ver’.

Já estou mais pacificado e esclarecido. Nas mãos de Deus, estaremos sempre bem entregues.

Bom tempo pascal…

 

 

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