LUSOFONIAS – Mediterrâneo: praia, estrada ou cemitério?

Tony Neves, em Roma

Os ‘Encontros do Mediterrâneo’ vão na terceira edição. Juntam países que fazem fronteira com este mar interior que liga três continentes e proporciona, desde há séculos, o encontro de povos e culturas muito diferentes. Fundamental para o comércio, estrada que une povos, fonte de receitas enormes com turismo, este Mar tornou-se cemitério a céu aberto para os milhares de cadáveres que engole quando há acidentes com os miseráveis botes que trazem imigrantes de África e da Ásia para a Europa. Por isso, o drama da imigração ilegal e desumana está sempre no coração da agenda destes Encontros, dada a urgência de construir políticas sólidas de acolhimento.

Coube a Marselha ser anfitriã, de 14 a 24 de setembro. Além dos governantes, este evento contou com 70 jovens de diferentes religiões e confissões cristãs. Nele participaram também 70 representantes das Igrejas dos países que beneficiam das praias mediterrânicas. E, claro, que a grande mediatização do evento deveu-se à decisão do Papa Francisco viajar até Marselha com a finalidade expressa de dar a sua humilde colaboração na procura de soluções para este drama humanitário de enormes proporções. A sua preocupação é antiga e repetida, pois já vem dos começos do seu pontificado quando optou por fazer a primeira viagem missionária à Ilha de Lampedusa, para apelar a um compromisso de acolhimento aos imigrantes que ali chegam vivos, e para ‘chorar os mortos que ninguém chora’.

O objetivo destes Encontros está bem delineado e o Papa Francisco resumiu-o assim: ‘promover percursos de paz, colaboração e integração à procura de respostas para o fenómeno migratório’. Francisco deixou Roma sexta feira e cumpriu um programa intenso, como sempre acontece nas suas viagens pastorais. Após receção oficial, o Papa dirigiu-se ao Santuário de Notre Dame de la Garde para uma Oração Mariana. Ali evocou peregrinos importantes: Santa Teresa do Menino Jesus, S. Carlos de Foucauld e S. João Paulo II e pediu para abrir portas e corações a quem chega ou naufraga.

Ao lado está o Memorial dedicado aos marinheiros e aos migrantes desaparecidos no Mar. O Papa presidiu ali a um momento simbólico de oração e recolhimento, acompanhado pelos líderes religiosos presentes nesta colina de Marselha, sobranceira à baixa da cidade, com o mar ao fundo. Lembrou: ‘Não podemos resignar-nos a ver seres humanos tratados como mercadoria de troca, encarcerados e torturados de maneira atroz – sabemos que, muitas vezes, quando os mandamos embora, o seu destino é a tortura e a prisão; não podemos mais assistir às tragédias dos naufrágios, devido a tráficos odiosos e ao fanatismo da indiferença. A indiferença torna-se fanática. As pessoas que correm o risco de se afogar, quando são abandonadas no meio das ondas, devem ser socorridas. É um dever de humanidade, é um dever de civilização!’. E concluiu: ‘enfrentemos juntos os nossos problemas, não percamos a esperança, construamos um mosaico de paz!’.

Os mais pobres estão sempre no coração do Papa, como se percebeu no encontro privado que teve com pessoas com dificuldades económicas, realizado na manhã de sábado na Casa das Missionárias da Caridade, Congregação fundada pela santa Madre Teresa de Calcutá. Neste que é um dos bairros mais pobres da França, salientou a importância da dimensão profética da fraternidade humana e da urgência de combater todas as formas de exclusão.

Momento alto foi a intervenção do Papa Francisco na sessão conclusiva destes ‘Encontros do Mediterrâneo’, no Palais du Pharo. Disse: ‘Que a Igreja não seja um livro de receitas, que a Igreja seja um porto de esperança para os desanimados. Abram os vossos corações, por favor! Que a Igreja seja um porto de abrigo, onde as pessoas se sintam encorajadas a agarrar a vida com a força inigualável da alegria de Cristo. Que a Igreja não seja uma alfândega. Recordemos o Senhor: todos, todos são convidados’.

Pediu, por fim, aos Participantes: ‘Sejam um mar de bem, para enfrentar a pobreza de hoje com uma sinergia de solidariedade; sejam um porto acolhedor, para abraçar aqueles que procuram um futuro melhor; sejam um farol de paz, para romper, através da cultura do encontro, os abismos escuros da violência e da guerra.’.

Após encontro com o Presidente da República de França, o Papa dirigiu-se ao Estádio Vélodrome onde presidiu à Missa. Na Homilia, comentando o encontro de Maria com Isabel, concluiu: ‘também hoje, a nossa vida, a vida da Igreja, a França, a Europa precisam da graça de um ‘abanão’ de fé, de caridade e de esperança. Precisamos de reencontrar a paixão e o entusiasmo, de reencontrar o gosto pelo empenhamento na fraternidade, de ousar de novo arriscar o amor nas famílias e para com os mais fracos, e de encontrar no Evangelho uma graça que transforma e torna a vida bela’.

Na Mensagem para o Dia Mundial do Migrante, celebrado neste domingo, o Papa concluiu com uma oração: ‘Deus, Pai Omnipotente, dai-nos a graça de nos empenharmos diligentemente em favor da justiça, da solidariedade e da paz, para que a todos os vossos filhos seja assegurada a liberdade de escolher se migrar ou ficar’.

Tony Neves, em Roma

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