LUSOFONIAS – Libermann, Santo Missionário

Tony Neves, em Saverne – Alsácia, França

Estou em Saverne, a digerir este frio alsaciano, numa terra que hoje é francesa, mas foi alemã e onde são evidentes os traços da cultura germânica. Vim de Roma, juntamente com todo o Conselho Geral dos Espiritanos, por uma razão simples, mas importante: foi nesta pequena cidade que nasceu, a 2 de abril de 1802, numa família judia, o P. Francisco Libermann, pouco depois revolução francesa de 1789. Seria batizado na Igreja católica na noite de natal de1826, com 24 anos. Com os jovens Eugène Tisserant (com mãe do Haiti) e Frédéric Le Vavasseur (da Ilha Reunião), lançaria, em 1841, a Obra dos Negros, cujo memorial, apresentado em Roma no ano anterior, está na origem da Sociedade do Sagrado Coração de Maria. Nesse mesmo ano, viria, finalmente, a ser ordenado Padre, após milagre, pois sofria de epilepsia, doença considerada impedimento para a Vida Religiosa e Sacerdotal. Estava assim satisfeita a condição posta por Roma para aprovar o novo instituto missionário.

Durante o ano que esteve em Roma (1840-41) fez o rascunho da Regra Provisória da futura Sociedade e escreveu um longo comentário ao Evangelho de S. João que tem inspirado biblistas e peritos em Espiritualidade. Por exemplo, o Cardeal Tolentino Mendonça, hoje Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, no Retiro que pregou ao Papa Francisco e à Cúria Romana na Quaresma de 2018, na sua 5ª pregação sobre ‘a sede de Jesus’, disse: ‘No seu comentário ao Evangelho de S. João, Francisco Libermann escreve: o que faz um convite aos que têm sede, ele mesmo está devorado pela sede; a diferença é que aqueles a quem ele convida têm sede de beber da sua fonte de graças… enquanto Jesus tem sede de dar a beber a sobreabundância do seu amor’.

1848 marca a fusão com a Congregação do Espírito Santo, que tinha existência legal e campo de missão, mas faltavam-lhe missionários. Libermann, Superior Geral desta família agora renovada e reforçada, pôde continuar a apostar na aventura missionária da libertação e evangelização dos povos escravizados na África e nas Antilhas.

A Espiritualidade que ele viveu e partilhou e o seu projeto missionário estão bem patentes nas milhares de cartas e outros textos que escreveu. Durante uma semana de Retiro, realizado na Casa Espiritana que evoca o nascimento deste fundador, o P. Gilles Pagès, missionário em Angola, fez-nos caminhar ao ritmo deste santo e motivou-nos a fazer a experiência espiritual das suas intuições religiosas e missionárias.

Francisco Libermann escreveu: ‘um barco tem as suas velas e o seu leme. O vento sopra na vela e faz andar o barco na direção que ele deve seguir; e é, portanto, por meio das velas que ele anda e toma a direção geral. No entanto, esta direção seria demasiado incerta e, de vez em quando, podia pôr o barco à deriva. Existe, pois, um leme que o dirige exatamente na direção que ele deve tomar sem desviar absolutamente nada. A vossa vida é o barco; o coração é a vela; o Espírito Santo é o vento: Ele sopra na vossa vontade e a vida caminha; ela caminha em direção à meta que Deus apontou. O vosso ânimo é o leme que deve impedir que, na força e vivacidade do movimento dado ao vosso coração, abandoneis a rota traçada e determinada por Deus’.

João David Souto, espiritano músico, pegou em dois textos emblemáticos dos dois fundadores espiritanos, os Padres Cláudio Poullart des Places e Francisco Libermann, transformando-os numa das músicas mais entoadas no Portugal Espiritano: ‘Santo e adorável Espírito / Fazei-me ouvir a vossa amável voz / Refrescai-me com vosso divino sopro/ que eu não lhe ofereça a menor resistência./ Vós me procuráveis, Senhor / e eu fugia de vós/. De há muito que quereis falar-me ao coração/ Mas eu não tenho querido escutar-vos. / Nas voltas  da vossa aragem /quero ser como leve pena/ conduzida para onde quiserdes: que eu não vos ofereça a menor resistência./ Descei agora ao coração / em que há muito desejais entrar/. Não mais terá ouvidos a não ser para vós/. A não ser para vos amar como deve’.

Na hora de deixar a Alsácia e regressar a Roma, encontrei um texto do P. Alphonse Gilbert, um dos maiores peritos da Espiritualidade Espiritana. Também ele tentou comparar os dois Fundadores e concluiu: ‘Dois rostos que irradiam bondade e doçura, porque o projeto de Deus se cumpriu neles, porque o projeto de Deus foi cumprido por eles, ao serviço dos mais humildes, dos mais abandonados, aqui e além-mar! Ao perto e ao longe…enviados aos pobres, com um coração de pobre, como Jesus! Incendiados com o fogo do amor, o sonho das suas vidas foi estar submetidos ao Espírito Santo, conduzidos por Ele…os nossos pais na Fé não têm senão: um só coração e uma só alma!’.

Tony Neves, em Saverne – Alsácia, França.

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