LUSOFONIAS – A fascinante e esquecida Mongólia

Tony Neves, em Roma

O Papa Francisco tem o carisma de ‘primeirear’, ou seja, de chegar antes dos outros. Assim se percebe esta Viagem Apostólica à Mongólia, a primeira feita por um Papa a um país que conta apenas com 1400 batizados, número residual a traduzir uma presença, aparentemente, insignificante. Sobrevoou 11 países, a cujos governantes enviou mensagens de felicitação e de esperança. Nem sequer deixou de saudar a Rússia e a China, país que negou aos seus Bispos a possibilidade de encontrar o Papa.  Apenas os Bispos de Hong Kong e Macau puderam deslocar-se à Mongólia…

Acompanhemos, a par e passo, esta ‘peregrinação’ de Francisco. O encontro com as Autoridades, a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático é sempre um excelente pretexto para o Papa evocar a doutrina social da Igreja. Recordou ‘os espaços imensos das vossas regiões, desde o deserto do Gobi à estepe, desde as grandes pradarias aos bosques de coníferas até chegar às cadeias montanhosas dos Altai e dos Khangai, com os seus inúmeros ziguezagues dos cursos de água, que, vistos do alto, parecem requintadas decorações em tecidos preciosos antigos: tudo isto é um espelho da grandeza e beleza de todo o planeta, chamado a ser um jardim hospitaleiro. A vossa sabedoria, a sabedoria do vosso povo, que se foi sedimentando ao longo de gerações e gerações de criadores de gado e cultivadores prudentes e sempre atentos para não romper os delicados equilíbrios do ecossistema, tem muito a ensinar a quem hoje não quer fechar-se numa míope procura de interesses particulares, mas deseja entregar aos vindouros uma terra ainda acolhedora, uma terra ainda fecunda. Aquilo que a criação representa para nós, cristãos, isto é, o fruto dum benévolo desígnio de Deus, vós no-lo ajudais a reconhecer e promover com delicadeza e atenção, contrastando os efeitos da devastação humana com uma cultura feita de cuidado e previdência, que se reflete em políticas de ecologia responsável’.

Pronunciando-se sobre a pequena comunidade católica, disse o Papa: ‘alegro-me que a comunidade católica, apesar de pequena e modesta, participe com entusiasmo e empenho no caminho de crescimento do país, difundindo a cultura da solidariedade, a cultura do respeito por todos e a cultura do diálogo inter-religioso, e trabalhando pela justiça, a paz e a harmonia social. Espero que uma legislação clarividente e atenta às exigências concretas permita aos católicos locais, ajudados por homens e mulheres consagrados vindos, em sua maioria, doutros países, a que possam prestar sempre à Mongólia o seu contributo humano e espiritual, sem dificuldades, em benefício deste povo’.

O Encontro com  os Bispos, Sacerdotes, Missionários, Consagrados/as e Agentes de Pastoral, permitiu ao Papa esta partilha: ‘gastar a vida pelo Evangelho: é uma bela definição da vocação missionária do cristão e, em particular, do modo como aqui a vivem os cristãos. Gastar a própria vida pelo Evangelho!’. E lembrou aos governantes locais: ‘A Igreja, que nasce do mandato de Cristo, é uma Igreja pobre, que se apoia apenas numa fé genuína, na força desarmada e desarmante do Ressuscitado, capaz de aliviar os sofrimentos da humanidade ferida. É por isso que os governos e as instituições seculares nada têm a temer da ação evangelizadora da Igreja, porque esta não tem uma agenda política a concretizar, mas conhece só a força humilde da graça de Deus e duma Palavra de misericórdia e verdade, capaz de promover o bem de todos’.

Simbólico foi o Encontro Ecuménico e Inter-Religioso. Lembrou o Papa: ‘ a valência social da nossa religiosidade mede-se pela harmonia que conseguimos criar com os outros peregrinos na terra e pelo modo como a difundimos onde vivemos. O altruísmo constrói harmonia e, onde houver harmonia, há compreensão, há prosperidade, há beleza. Na realidade, harmonia é talvez o sinónimo mais apropriado de beleza. Ao contrário, o fechamento, a imposição unilateral, o fundamentalismo e o forçamento ideológico arruínam a fraternidade, alimentam tensões e põem em risco a paz. A beleza da vida é fruto da harmonia: é comunitária, cresce com a gentileza, a escuta e a humildade’.  E – repetiu o Papa – não pode haver ‘nenhuma confusão entre credo e violência, entre sacralidade e imposição, entre percurso religioso e sectarismo’. Por fim, uma confissão: ‘quero confirmar-vos que a Igreja católica deseja caminhar assim, crendo firmemente no diálogo ecuménico, no diálogo inter-religioso e no diálogo cultural’.

A Missa dominical permitiu ao Papa falar da sede que habita os corações das pessoas, ideia cara aos habitantes de uma Mongólia marcado pela aridez da estepe e do deserto. Disse: ‘Trazemos dentro de nós uma sede inextinguível de felicidade; andamos à procura de significado e orientação para a nossa vida, de motivação para as atividades que realizamos cada dia; e sobretudo temos sede de amor, porque só o amor nos sacia verdadeiramente, nos faz sentir bem – o amor faz-nos sentir bem –, abre à confiança fazendo-nos saborear a beleza da vida’.

No fim da Visita, o Papa Francisco encontrou-se com Agentes da Caridade e inaugurou a Casa da Misericórdia. Esta, assente no voluntariado, propõe-se ‘como ponto de referência para uma multiplicidade de intervenções socio caritativas, mãos estendidas aos irmãos e irmãs que lutam para enfrentar os problemas da vida. É uma espécie de porto onde podem atracar, onde encontram escuta e compreensão’. Francisco conclui com um sonho: ‘ apraz-me imaginar esta Casa da Misericórdia como o lugar onde pessoas de diferentes ‘credos’ e mesmo não-crentes unem os seus esforços aos dos católicos locais para socorrer compassivamente tantos irmãos e irmãs em humanidade’.

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