Lisboa: Arcebispo de Évora destacou na Academia Portuguesa de História o legado de D. Augusto Eduardo Nunes

D. Francisco Senra Coelho realçou «um homem que viu longe» em matérias como a relação Igreja-Estado e o mundo do trabalho

Foto Agência ECCLESIA / JCP

Lisboa, 20 fev 2019 (Ecclesia) – O arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, abordou hoje na Academia Portuguesa de História, em Lisboa, o legado de D. Augusto Eduardo Nunes, e relevou o seu empenho por uma Igreja Católica “livre e ativa na sociedade”.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, no âmbito da referida conferência, o arcebispo de Évora descreveu aquele que é um dos seus antecessores (1885 – 1920) com “um homem que viu longe” no que diz respeito ao papel da Igreja Católica na sociedade, e à sua relação com os mais variados setores, a começar pela política, pela relação Igreja-Estado.

Na Academia Portuguesa de História, esta quarta-feira, D. Francisco Senra Coelho refletiu sobre a tese de doutoramento que D. Augusto Eduardo Nunes dedicou ao tema ‘o múnus social da Igreja Católica’, ainda como aluno da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra, em 1881.

Nascido numa época em que Portugal vivia ainda na Monarquia, marcada por um controlo “asfixiante” do poder político sobre o poder religioso, D. Augusto Eduardo Nunes percebeu desde cedo que, “para poder exercer o seu ministério, para poder ser profética” no mundo, a Igreja Católica não podia estar “atada a um regime”.

“Ele compreendeu que o caminho da Igreja tinha de ser diferente, como veio a ser, de facto”, realçou D. Francisco Senra Coelho, que destacou também o antigo arcebispo de Évora como um pioneiro na temática “da Doutrina Social da Igreja face aos operários”.

Muito também devido às suas origens, já que D. Augusto Eduardo Nunes era oriundo de Portalegre, tinha família também em Elvas, portanto vinha “de uma terra marcada pela interioridade, pela ruralidade”.

“Ele vai percebendo a mudança do seu tempo, que é sobretudo marcada pela Revolução Industrial”, apontou D. Francisco Senra Coelho, que lembrou um período de grande turbulência e incerteza, “incluindo no Alentejo” onde se registaram “levantamentos populares contra a primeira mecanização da agricultura” e casos de “destruição de máquinas a vapor”.

“O trator não foi bem aceite. A mecanização fez com que ranchos de homens ficassem sentados nas praças das vilas e aldeias, porque ninguém os vinha contratar”, salientou o atual arcebispo de Évora, para reforçar que mais uma vez, D. Augusto Eduardo Nunes “excedeu o seu olhar, a sua visão ao seu próprio tempo, mas sem perder o pé, ou seja, sem deixar de abraçar as pessoas, a sociedade”.

Capa Paulus Editora

“Ele percebe que é necessário, que é conveniente, que é pertinente, que é missão da Igreja olhar para essa realidade que está a começar”, prosseguiu D. Francisco Senra Coelho, para enaltecer uma linha de pensamento que iria inclusivamente chamar a atenção do Papa Leão XIII, que mais tarde publicaria a encíclica ‘Rerum Novarum’.

Um documento que aborda precisamente as questões do trabalho e os desafios dos trabalhadores.

“Eu encontrei nos arquivos da Nunciatura Apostólica em Lisboa correspondência travada entre a Secretaria de Estado da Santa Sé e a Nunciatura, para recolher o trabalho daquele jovem que tinha sido apresentado na Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra. E em 1891 aparece a Rerum Novarum”, frisou D. Francisco Senra Coelho, para quem, numa altura em que as questões do trabalho continuam na ordem do dia, o legado de D. Augusto Eduardo Nunes permanece como um desafio para a Igreja e para a sociedade.

“Ele foi falando à entidade patronal na necessidade de perceberem que não poderiam sobreviver sem os operários, que teria que haver um ambiente familiar dentro da empresa”, descreveu o atual arcebispo de Évora, que reforçou ainda a preocupação de D. Augusto Eduardo Nunes por temáticas como a “dignidade da pessoa humana, da família” e da importância de uma “consciência patronal”.

“Para ele a violência começa quando as pessoas não se ouvem e não se escutam, então têm que gritar mais alto para dizerem que gritam mais alto, e então aparece aí, na sua perspetiva, toda a questão da greve e da violência”, disse à Agência ECCLESIA D. Francisco Senra Coelho.

O atual arcebispo de Évora é doutorado em História pela Universidade Internacional de Phoenix (EUA), tendo como tema da tese precisamente a vida de D. Augusto Eduardo Nunes, no contexto da Primeira República em Portugal.

JCP

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