Igreja/Sociedade: «Trabalho nunca poderá ser considerado uma mercadoria» – padre Roberto Bongianni

Especialista italiano interveio na conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz

Foto Agência ECCLESIA/PR

Lisboa, 12 out 2024 (Ecclesia) – O padre Roberto Bongianni, especialista no estudo da ética económica e social, disse hoje em Lisboa que “o trabalho nunca poderá ser considerado uma mercadoria”.

“O trabalho apresenta características tais que deve ser considerado como um bem. Esta questão de o trabalho não ser uma mercadoria está sempre na reflexão da Doutrina Social da Igreja, até aos nossos dias, incluindo o Papa Francisco”, referiu o franciscano italiano, convidado da conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP).

A iniciativa, que decorre esta manhã, no Centro Cultural Franciscano, tem como tema ‘O desafio do trabalho digno num mundo em mudança’.

“O trabalho é um bem especial que apresenta um caráter personalista, também um caráter de necessidade e, por isso, não pode ser sujeito a simples dimensões contratuais resultantes de um pacto”, sustentou o sacerdote.

Após as palavras de abertura por D. José Traquina (presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana) e Pedro Vaz Patto (presidente da CNJP), o padre Roberto Bongianni apresentou uma reflexão sobre ‘O trabalho digno na visão da Doutrina Social da Igreja’.

O doutor em Ciências Sociais pela Universidade Pontifícia de Santo Tomás de Aquino (Roma) indicou que a “dignidade não se pode dissociar da pessoa humana”.

Na Igreja, acrescentou, “nunca houve uma reflexão sobre um trabalho absolutamente livre e concebido em sentido absoluto e totalmente desligado também dos contextos produtivos, da relação com os outros fatores da produção, reconhecendo o trabalho dentro de um vínculo contratual”.

A intervenção, projetada em vídeo, começou com uma referência à encíclica social Rerum Novarum de Leão XIII, de 1891, na qual se assinala que “a questão social é uma questão operária”.

Após passar por documentos de Pio XII, Papa entre 1939 e 1958, e do Concílio Vaticano II (1962-1965), o responsável falou do “Evangelho do trabalho” apresentado por São João Paulo II.

Perante o “coletivismo marxista” e o “capitalismo liberal”, o Papa polaco destacou que “o valor do trabalho humano não depende daquilo que se faz, mas depende substancialmente do facto de que quem o realiza é uma pessoa humana”.

O conferencista apelou a um “novo modo de pensar e de agir em relação ao mundo laboral”, insistindo na ideia de que “o trabalho não é uma mercadoria, mas um bem”.

“Não é simplesmente útil ou para usufruir, mas corresponde profundamente à dignidade do homem. Corresponde, exprime e aumenta esta dignidade”, prosseguiu.

O padre sublinhou ainda a “prioridade do trabalho sobre o capital”.

Isto leva-nos a repensar os processos de produção, onde deve ser sempre sublinhada a dimensão da prevalência do caráter subjetivo sobre o objetivo, e não sermos simplesmente guiados por um pensamento economicista, que raciocina apenas em termos de produtividade e não vai além disso”.

A conferência abordou o problema do desemprego, que “toca profundamente na dignidade do homem”.

“Pensemos na globalização dos mercados, na deslocalização das empresas, na contínua desregulação, no crescimento dos mercados financeiros. no domínio do paradigma tecnocrático”, referiu o convidado.

O especialista italiano citou ainda as reflexões de Bento XVI e do Papa Francisco, sobre o valor do trabalho, apontando aos desafios da automatização dos processos produtivos e do recurso à inteligência artificial, “dominados por um critério de eficiência económica, de uma eficiência tecnocrática, com decisões que depois levam à exclusão e à redução do trabalho”.

“Para o Papa Francisco, é necessário apontar para um novo paradigma económico, é necessário um modelo económico de desenvolvimento que se centre na confiança e no respeito pelas regras, o assumir de responsabilidades, onde os empresários possam exprimir plenamente a sua criatividade e também dar vida à diversificação produtiva”, concluiu.

O encontro prossegue com uma mesa-redonda, tendo como intervenientes Mafalda Troncho (diretora do escritório da OIT em Portugal) e José António Vieira da Silva (ex-ministro do trabalho).

Pelas 12h00 será apresentado um manifesto por representantes de várias organizações católicas.

OC

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