Igreja: Padre Joaquim Gonçalves, missionário das favelas, diz que o segredo é estar presente e «fazer-se igual ao outro»

Religioso português passou 40 anos no Brasil, junto das populações mais necessitadas, colocando a vida em risco

Foto: Joana Gonçalves/Reanscença

Lisboa, 03 jan 2020 (Ecclesia) – O padre Joaquim Gonçalves, missionário da Consolata, passou 40 anos em missão no Brasil, junto das populações mais necessitadas, da Bahia às favelas de São Paulo, num serviço que “começa sempre a partir do outro”.

“Como missionário, trabalhei com a Comissão Pastoral da Terra, com o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, e cheguei à conclusão de que não posso separar a ação social, a intervenção no meio da problemática humana, política, do meu serviço religioso e do meu trabalho de evangelização”, refere o convidado da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, que é publicada e emitida hoje.

O missionário português chegou à maior favela de São Paulo, Heliópolis, em 2002, onde procurou ir ao encontro da população, apesar de ter visto a polícia apontar-lhe metralhadoras.

“O foco da minha mística missionária sempre foi o de fazer-se igual ao outro, não é só ‘estar com o outro’, fingir que se está com o outro, mas é ser e viver. Não ter nada em casa para ser roubado, deixar a chave na porta, de propósito, aproximar-me o mais que puder das pessoas, e começar o trabalho a partir das aspirações do outro”, precisa.

A chegada a São Paulo aconteceu depois de anos de missão no sertão e nas favelas da Bahia, onde encontrou forte presença de igrejas evangélicas, mas nenhuma católica; o trabalho social valeu-lhe oposição de forças políticas e até ameaças de morte, que se repetiriam em Manaus, mas diz que viveu sempre “sem medo”.

“A Igreja tem de tomar a decisão de se tornar presente imediatamente, porque senão vai chegar atrasada. Esta foi sempre a minha preocupação: não podemos chegar atrasados às situações mais desafiadoras que existem”, indica.

Sacerdote há 50 anos, o padre Joaquim Gonçalves deixa por cumprir o sonho de ser missionário em África, mas traz consigo outras experiências, como o trabalho numa mina de carvão da Alemanha, onde em 1969 – ainda diácono – fundou a comunidade portuguesa de emigrantes da Baixa Renânia.

Comecei a aprender uma metodologia fundamental, para a Missão: começar sempre a partir do outro, não a partir de mim. A preocupação em conhecer o outro, o que pensa, o que quer, por que razão é que está aí”.

O seu percurso passou também por Roma, na altura do Concilio Vaticano II, nos anos 60 do século passado.

“Já nessa época me despertava a atenção a questão da evangelização, tendo como preocupação primária os pobres, os abandonados, aqueles que não interessam à Cultura, os que são desprezados, que não têm valor para a sociedade”, recorda o missionário da Consolata.

De regresso a Portugal, o religioso diz que acompanha a situação no Brasil, porque “não se faz pastoral paralela às questões políticas e sociais”, mostrando-se preocupado com o aumento das “pessoas que ficam na margem, menos capacitadas de poder reagir”.

Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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