Igreja: «Não há nenhum estudo que nos diga que os abusos sexuais ocorrem devido ao celibato» – Ricardo Barroso

Investigador da UTAD diz que divulgação do relatório da Comissão Independente é oportunidade para «marcar a diferença»

Lisboa, 12 fev 2023 (Ecclesia) – Ricardo Barroso, docente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), afirma que a divulgação do relatório da Comissão Independente sobre abusos sexuais na Igreja é uma oportunidade para “marcar a diferença”, rejeitando a ligação destes crimes ao celibato.

“Não há nenhum estudo que nos diga que os abusos sexuais ocorrem devido ao celibato”, indica o psicólogo, em entrevista à Agência ECCLESIA e Renascença, publicada e emitida hoje.

O investigador – que há vários anos se dedica à avaliação e intervenção de comportamentos agressivos em jovens e adultos, e trouxe para Portugal o projeto ‘Troubled Desire’, de prevenção da pedofilia – sublinha que o fenómeno atinge várias Igrejas, defendendo a necessidade de “reconhecer que a sexualidade faz parte do ser humano”.

“Isto acontece em todas as confissões religiosas, têm vindo a ser detetados casos tanto em Igrejas católicas como em Igrejas protestantes”, precisa.

O problema, assinala, esteve na prioridade dada por muitos responsáveis das Igrejas à “proteção da reputação”, em detrimento do impacto dos abusos nas vítimas.

Segundo o especialista, o padrão de funcionamento dos agressores sexuais “tende a ser semelhante”, fora ou dentro da Igreja.

“Tem de haver um trabalho de prevenção, assumir que a sexualidade é um tema que tem de ser abordado como qualquer outro, e que as igrejas, pelas suas características, muitas vezes podem levar a que algumas pessoas se envolvam no seu funcionamento, com outro tipo de intenções”, aponta.

O presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Psicologia da Justiça acredita que o relatório sobre abusos contra crianças, a ser divulgado esta segunda-feira após mais de um ano de trabalho da Comissão Independente pedida pela Conferência Episcopal Portuguesa, representa um “momento crucial para marcar a diferença”.

“Claramente, há aqui um impacto na reputação da Igreja Católica, mas se forem tomados um conjunto de passos e as pessoas virem que as vítimas são respeitadas, e há acompanhamento, creio que é muito importante”, realça.

Para o investigador, o “pior” que a Igreja pode fazer seria dizer “os casos estão prescritos, não há nada a fazer”.

“Seria uma machadada na reputação”, acrescenta.

Ricardo Barroso diz ter uma “perspetiva muito positiva do trabalho que foi feito pela Comissão” Independente, em particular pela forma como foi possível recolher os testemunhos das vítimas.

Para o futuro, o entrevistado aponta como prioridades uma “formação interna sobre o que é que é o abuso sexual” e os cuidados que devem ser tomados.

O docente universitário recorda que existe “um conjunto de intervenções que têm vindo a ser testadas com uma eficácia bastante significativa”.

“O que pretendemos é que nunca venha a ocorrer o episódio de abuso, é mesmo num nível de prevenção primária”, explica.

O especialista está envolvido num projeto internacional, ‘Troubled Desire’, que dá apoio a pessoas que se sintam sexualmente atraídas por menores.

“No acompanhamento que é feito aos agressores sexuais, uma coisa interessante é que os tribunais – os juízes e os magistrados – ficaram consciencializados e com uma ideia muito mais clara, até pelas formações internas que foram ocorrendo, da necessidade de intervenção psicológica junto destes indivíduos”, conclui.

Ângela Roque (Renascença), Octávio Carmo (Ecclesia)

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