«Um poeta ou poetisa no mundo acelera o processo de consciência histórica, faz-nos ver o mundo de forma diferente», assinalou cardeal português
Lisboa, 02 jan 2025 (Ecclesia) – D. José Tolentino Mendonça presidiu hoje à Missa de corpo presente de Adília Lopes, na Capela do Rato, em Lisboa, e destacou da poetisa “a contemplação, a solidão” e a “fé”, três coisas que guarda “no coração”.
“Agradecemos a sua vida, aquilo que conhecemos e partilhamos, aquilo que recebemos como dom imenso, mesmo se parecia um banquete de migalhas. As migalhas tinham um sabor prodigioso, e isso agradecemos e pedimos ao Senhor que a acolha, que a acolha como filha amada”, disse o cardeal português no início da Eucaristia.
D. José Tolentino Mendonça explicou que um poeta ou poetisa no mundo “acelera o processo de consciência histórica” e faz “ver o mundo de forma diferente”, já na homilia, destacou, do convívio com a Adília Lopes, “três coisas” que guarda “no coração, três coisas que marcam muito”.
“Por um lado, a sua capacidade de contemplação. Ela era uma contemplativa e com uma capacidade de deter-se sobre a realidade com uma inteligência, que é uma inteligência agudíssima, e, ao mesmo tempo, era uma inteligência de coração, fazendo-nos sentir que há um êxtase que nos é devido”, explicou.
O cardeal português, também poeta, acrescentou da vida de Adília Lopes que “quando se está de emaravilhamento, tudo é maravilha”, e “ela viveu assim, coisas que eram lixo para as outras pessoas” para a poetisa “é maravilha, é louvor”.
A poetisa portuguesa Adília Lopes morreu, aos 64 anos, esta segunda-feira, dia 30 de dezembro de 2024, no Hospital de São José, em Lisboa, onde estava internada; a Missa de corpo presente realizou-se às 13h00, desta quinta-feira, 2 de janeiro, na Capela do Rato, seguindo o funeral para o Cemitério dos Prazeres.
Na Missa de corpo presente na Capela do Rato – a Capela de Nossa Senhora da Bonança, onde o presidente da celebração foi responsável entre os anos de 2009 e de 2018 – D. José Tolentino Mendonça explicou que o segundo aspeto que o “tocava muito era a forma como ela transformava a sua solidão”, porque para Adília Lopes “a solidão nunca foi uma forma de rutura com os outros, uma vez que se sentia “sempre em comunhão com os outros”.
“Uma vez ela disse-me sobre o comer: Quando comia em casa, dizia que nunca comia sozinha, porque o ato de comer é sempre social, e ela tinha uma intensa consciência disso. E o ato de viver é também social. E o ato de respirar é também social. E ela viveu essa ligação, essa relação aos outros de uma forma absolutamente precisa, autêntica, consciente, voluntária, a ponto de dizer eu sou uma obra dos outros e acreditava nisso”, desenvolveu o cardeal madeirense, sobre “um ser comunitário, mesmo se era a única pessoa na sua casa”.
“E defendia sempre a comunidade. A sua preocupação com a democracia tinha detalhes incríveis, e essa atenção ao comunitário era uma coisa que a marcava absolutamente”, acrescentou.
Segundo o prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação (Santa Sé), “a terceira coisa” que o marca, sobre Adília Lopes “é a sua fé”, que, talvez, “seja uma dimensão misteriosa, muito presente na sua poesia, na mística do quotidiano que ela vivia”.
“Ela sabia aquilo que o seu verso diz, ‘há milagres, não há só truques’, ela sabia que não há só truques, há milagres. E essa fé era uma coisa que a ajudava a subir a estrada. E vimo-la tantas vezes, uma mala de cada mão, procurando respirar melhor, sentando-se um minuto, parando um minuto para retomar o fôlego. Aquilo que a fazia caminhar não era só no ar, era a certeza que há milagres. E dessa certeza, hoje todos somos evidentes”, acrescentou o colaborador do Papa.
“Por muitos anos, por muitos séculos, esperamos que mulheres e homens como nós se sintam, não apenas órfãos da Adília, mas que nos sintamos e nos descubramos herdeiros da sua obra e do que ela viveu”, concluiu D. José Tolentino Mendonça, na homilia proferida na Capela do Rato, em Lisboa.
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Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira nasceu em 1960, em Lisboa, usava o pseudónimo literário Adília Lopes e começou a publicar poesia em 1984; estudou Física, mas não concluiu a licenciatura na Universidade de Lisboa, em 1983, iniciou a licenciatura de Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, depois especializando-se em Ciências Documentais. Em julho de 2014, o então diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, padre José Tolentino Mendonça, apresentou uma antologia com 13 escritores portugueses intitulada ‘Verbo – Deus como interrogação na poesia portuguesa’, coorganizada pelo escritor e crítico literário Pedro Mexia, onde participou Adília Lopes. A poetisa, anos antes, por exemplo, esteve na mesa-redonda ‘Os Poetas abrem a Bíblia’, do ciclo de conversas ‘A Bíblia, coisa curiosa: novos olhares sobre um livro de sempre’, realizado pela Casa Fernando Pessoa e pelo padre José Tolentino Mendonça, a 14 de abril de 2011. |
PR/CB