Igreja/Abusos: Novo organismo quer assumir «papel pioneiro», apostando na intervenção terapêutica e na prevenção

«Grupo VITA», presidido pela psicóloga Rute Agulhas, vai desenhar respostas específicas para vítimas e agressores

Foto: Lusa

Lisboa, 26 abr 2023 (Ecclesia) – O ‘Grupo Vita’, novo organismo para o acompanhamento de casos de abusos sexuais na Igreja Católica, presidido pela psicóloga Rute Agulhas, assumiu hoje a aposta na prevenção primária e no apoio às vítimas.

“Pretende-se agora criar respostas especialmente pensadas para as vítimas, mas também para os agressores, focado na intervenção terapêutica e ainda na prevenção”, disse a coordenadora, na conferência de imprensa de apresentação, que decorreu em Lisboa

O grupo de acompanhamento das vítimas de abuso sexual, no contexto da Igreja Católica em Portugal, é constituído por especialistas em diversas áreas e vai funcionar de forma autónoma, em articulação com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas para a Proteção de Menores.

Sobre a articulação com as Comissões Diocesanas, Rute Agulhas realçou que não se pretende “esvaziar as comissões diocesanas das suas funções”.

“É muito importante que as pessoas passem a olhar para essas respostas com a mesma confiança que já tiveram com a Comissão Independente e com a que esperam” que tenham neste grupo, acrescentou.

Entre outras ações, está prevista a elaboração de um “Manual de Prevenção” para a Igreja Católica em Portugal

Rute Agulhas, que integrava até agora a Comissão Diocesana de Lisboa, falou da violência sexual como “um problema de saúde pública, pela sua elevada prevalência e também pelo seu impacto negativo”.

A especialista destacou que este é um “fenómeno transversal” a diversos contextos, entre eles o da Igreja Católica, com especial prevalência “no contexto intrafamiliar”.

“Ao apostar na criação de respostas específicas para vítimas e agressores, e ainda em programas e estratégias de prevenção primária, pensamos que a Igreja assume um papel pioneiro, em Portugal, de relevo e de elevada responsabilidade social”, sustentou a coordenadora.

Ricardo Barroso, membro do grupo, realçou que “o foco prioritário é a dimensão das vítimas”, mas a experiência que em Portugal, como em outros países, diz que “a intervenção na prevenção do abuso sexual deverá também envolver a reabilitação dos agressores”.

“Esta resposta interventiva deverá ser feita de modo estruturado e planeado e surge paralelamente a qualquer processo de responsabilização judicial, civil ou penal que possa estar em curso. Não há lugar a qualquer processo de ilibação das práticas abusivas, têm de ser responsabilizada daquilo que praticaram. O que pretendemos é, paralelamente, dar a possibilidade de frequentar uma intervenção especializadas de índole psicológica ou psiquiátrica e esta pertinência surge com o objetivo de evitar a reincidência de abusos sexuais e possibilitar o acompanhamento clínico ao longo do tempo, eventualmente, anos”, desenvolveu o psicólogo, especialista em intervenção com agressores sexuais.

O novo grupo assumiu-se como “temporário”, com um horizonte de pelo menos três anos, e apresentou-se como organismo “isento e autónomo”.

Rute Agulhas assumiu como “grandes objetivos” “proteger” as vítimas e “prevenir” recidivas ou situações abusivas, através de quatro áreas centrais de atuação: “acolhimento, acompanhamento, formação e investigação”.

A partir de 22 de maio passa a estar disponível uma linha telefónica, exclusiva para denúncias de abuso na Igreja, “atuais ou antigas”, através do número 915 090 000, bem como um endereço eletrónico – geral@grupovita.pt.

As denúncias serão encaminhadas para as “autoridades de investigação competentes”, civis, penais e canónicas.

A responsável explicou que o número de telemóvel vai estar disponível de segunda a sexta-feira, das 09h00 às 18h00, e, caso não “seja possível atender”, garantem resposta “no limite até 24 horas”; vai ser rotativo pelos elementos do grupo executivo, com um guião de atendimento uniformizado, “um protocolo de avaliação do risco, por exemplo, risco de suicídio”, se necessário imediata articulação com o INEM, e marcação do atendimento presencial.

Foto: Lusa

O Grupo VITA pretende também articular com entidades de primeira linha ou serviços de proximidade, como apoio domiciliário, equipas de acompanhamento às famílias, centros de dia, juntas de freguesia, que “mais facilmente podem levar esta informação diretamente” a pessoas que, por causa da idade ou qualquer outra condição, possam não ter acesso fácil ao telefone ou correio eletrónico.

“Tentaremos de diversos modos dar a conhecer a existência deste grupo e destas respostas para que ninguém fique excluído”, realçou.

O novo organismo vai desenvolver e avaliar a eficácia de um “Programa de Prevenção Primária dos Abusos Sexuais” no contexto religioso, recurso que fica disponível e poderá ser utilizado nos diversos contextos religiosos, e quer também criar um ‘banco de recursos’ relevantes sobre o tema dos abusos sexuais que vão ficar no portal www.grupovita.pt, que já se encontra online.

Segundo Rita Agulhas, pretendem contribuir para o “aumento da literacia sobre o tema, desconstruindo também alguns mitos e falsas crenças”, e elaborar um ‘Manual de Prevenção de Situações de Abuso Sexual de Crianças e Adultos Vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal’, que pretende sistematizar informação, identificar fator de risco e de proteção e elencar ações concretas nos diversos contexto religiosos,

A coordenadora informou que este novo organismo se compromete a apresentar publicamente um “relatório de atividades, com avaliação e resultados com periodicidade semestral” e convidou os jornalistas para a apresentação do primeiro relatório no mês de dezembro.

O grupo vai criar uma “bolsa de profissionais especializados”, para intervenção junto das vítimas de abusos, assegurando ainda “encaminhamento” para uma rede de profissionais que oferece apoio psicológico, psiquiátrico, social ou jurídico, além de apoio espiritual.

Aos jornalistas, Rute Agulhas explicou que “as pessoas jamais ficarão limitadas a essa bolsa, têm autonomia” e devem ser informadas para tomarem decisões conscientes.

Neste sentido, indicou que a Ordem dos Médicos e a dos Psicólogos é que vão perguntar aos profissionais quem quer integrar a bolsa, adiantando que “quem vai pagar é a Igreja”.

Grupo VITA – Grupo de Acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal

– Coordenadora: Rute Agulhas (psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde com especialidades avançadas em Psicoterapia e Psicologia da Justiça).

– Grupo Executivo: Alexandra Anciães (psicóloga, experiência de avaliação e intervenção com vítimas adultas); Joana Alexandre (psicóloga, docente universitária e investigadora na área da prevenção primária dos abusos sexuais); Jorge Neo Costa (assistente social, com experiência  na intervenção junto crianças e jovens em perigo); Márcia Mota (psiquiatra, especialista em Sexologia Clínica e intervenção com vítimas e agressores sexuais); Ricardo Barroso (psicólogo, docente universitário e especialista em intervenção com agressores sexuais).

– Grupo Consultivo: padre João Vergamota (especialista em Direito Canónico); Helena Carvalho (docente universitária, especialista em análise estatística); David Silva Ramalho (advogado, especialista em Direito Penal).

A apresentação do novo grupo contou com a presença do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, que destacou a escolha de pessoas com “competências suficientes e necessárias” para enfrentar as questões ligadas aos abusos sexuais.

O bispo de Leiria-Fátima evocou a Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, designada pela CEP, que apresentou a 13 de fevereiro um relatório, no qual validou 512 testemunhos, apontando a um número de 4815 vítimas, entre 1950 e 2022, e entregou aos responsáveis católicos de Portugal uma lista com nomes de alegados abusadores, no dia 3 de março.

“As conclusões a que chegou causaram muito impacto, a começar por nós”, assumiu o presidente da CEP, falando numa “realidade dramática” que a Igreja Católica quer enfrentar com “determinação” e “tolerância zero”.

D. José Ornelas reforçou a ideia que tinha deixado a 20 de abril, no final da Assembleia Plenária da CEP, apontando a uma “nova fase”, após o estudo da CI, com um novo grupo que visa assegurar “competência e capacidade operacional”.

“Este grupo tem todo o apoio (…) da Igreja em Portugal, no seu conjunto, que quer fazer um caminho”, concluiu.

CB/OC

Notícia atualizada às 21h55

Igreja/Abusos: CEP anuncia novo organismo de acompanhamento de vítimas, que vai redigir «manual de prevenção» nacional (c/vídeo)

 

 

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