Homilia do Bispo do Funchal no Domingo de Páscoa

Foto: Jornal da Madeira

“Que hei de fazer com Jesus, chamado Cristo?” Esta interrogação de Pilatos tem-nos acompanhado ao longo desta Semana Santa, provocando-nos a uma resposta não apenas intelectual mas de toda a nossa existência. Hoje no entanto, Domingo de Páscoa, parece que aquela interrogação deixa de fazer sentido: Jesus desapareceu, o túmulo ficou vazio! Que podemos fazer com um vazio?

É esta mesma aflição que leva Pedro e João a correrem ao sepulcro. Com Jesus morto, sepultado, sabiam o que fazer: estava morto, mas tinham os seus restos mortais a que se agarrar. Com um ausente, tudo fica definitivamente perdido! Pedro e João correm — quase parecem dois atletas e ver quem chega primeiro! — correm logo que as mulheres lhes comunicam: “Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde O puseram!”.

Move-os a aflição. Não bastava já a morte, quanto mais um vazio! E ali estavam as ligaduras e o sudário “enrolado à parte”, diz o evangelista, como que a mostrar que, longe de ser um acaso fortuito, tudo tinha acontecido segundo um desígnio…

Mas o “discípulo amado” “Viu e acreditou”. João viu o vazio do sepulcro; viu as ligaduras; viu o sudário enrolado; viu a aflição no rosto de Pedro. De repente, tudo parecia vazio, sem nada — um abismo! Mas, naquele momento, João percorreu um caminho bem diferente: “viu e acreditou”.

Os sinais eram, para João, os mesmos que para Pedro e para as mulheres — e para tantos outros que, certamente, se dirigiram naquele dia ao sepulcro

(soldados romanos, judeus membros do Sinédrio, e outros discípulos de Jesus…).

Contudo, João “viu e acreditou” (εδεν κα πίστευσεν). Não sonhou, viu. As realidades tangíveis eram as mesmas, mas os olhos da fé foram capazes de ver mais longe e de perceber o significado do que tinha acontecido naquele lugar, naquela manhã de Domingo.

Foi desse modo que a ausência desapareceu, e Presença se tornou bem maior: uma presença de Jesus, bem mais forte e significativa que aquela anterior, quando o Mestre podia ser percebido com os sentidos da carne.

Acreditar, com efeito, é perceber esta Presença. Ser cristão é perceber esta Presença. Temos os mesmos sinais que todos os outros. Nestes sinais, tantos são apenas capazes de descobrir (não raras vezes de um modo dramático) a ausência de Jesus.

Mas os crentes, confrontados com esses sinais, percebem uma Presença, a Presença do Senhor. Uma Presença real, ainda que não percetível com os sentidos do corpo. Não um fantasma nem um espírito, ou uma energia que nos domine e incomode.

Confrontados com os acontecimentos da Páscoa, os olhos da fé reconhecem uma Presença que nos conhece intimamente. Uma Presença que nos ama. Uma Presença que nunca nos abandona. Uma Presença que nos envolve.

Uma Presença que nos torna livres. Uma Presença que nos faz caminhar. Uma Presença que urge em nós e nos desinstala. Uma Presença que nos oferece um novo horizonte. Uma Presença que nos aponta a meta do nosso viver.

Uma Presença que é Caminho. Uma Presença que percorre connosco o Caminho. Uma Presença que nos dá o sentido do viver. Uma Presença que nos oferece o sentido da história e do mundo.

“Viu e acreditou”. Depois de João, também todos os outros discípulos fizeram esse percurso. Mesmo Tomé, que inicialmente duvidou (que bom foi que tivesse duvidado!). E, depois deles, também Paulo e tantos outros: tantos que a percepção da Presença do Ressuscitado invadiu o mundo inteiro, chegou até nós.

Esse é o caminho da fé: longe de ser um sentimento vago ou o fruto de um raciocínio elaborado, o caminho da fé é antes a perceção da Presença de Jesus ressuscitado, que se nos impõe como evidência primeira e oferece a razão, o sentido de tudo o resto — da nossa vida e da vida do mundo. “Viu e acreditou”. Tudo passou a fazer sentido. E, a partir daquele momento, a sua vida transformou-se.

“Que hei de fazer com Jesus chamado Cristo?”. A resposta que somos convidados a dar a esta questão é o simples “viu e acreditou” de S. João na manhã do primeiro domingo de Páscoa.

Que hei de fazer de Jesus, chamado Cristo? “Vê e acredita!”. Que o mesmo é dizer: vê e confia em Jesus; vê e entrega a tua existência ao Senhor; vê e deixa que a tua vida seja transformada (talvez mesmo “virada do avesso”) pela Presença de Jesus ressuscitado!

 

“He saw and believed”: John, the “beloved disciple”, was able to go beyond the signs in which others recognized only an absence. By faith, he was able to perceive the Presence of the Risen One. “He saw and believed”: this is the way of faith. Far from being a vague feeling, the way of faith is the perception of the Presence of the Risen Jesus, which imposes itself on us as the first evidence, and which offers the reason, the meaning of everything else – of our life and of the life of the world. Christ is risen, aleluia!

“Il vit et cru” : Jean, le “disciple bien-aimé”, a été capable d’aller au-delà des signes dans lesquels les autres ne reconnaissaient qu’une absence. Par la foi, il a perçu la Présence du Ressuscité. “Il vit et crut” : tel est le chemin de la foi. Loin d’être un vague sentiment, le chemin de la foi est la perception de la Présence de Jésus ressuscité, qui s’impose à nous comme la première évidence, et qui offre la raison, le sens de tout le reste – de notre vie et de la vie du monde. Le Christ est ressuscité, aleluia !

“Vide e credette”: il “Discepolo amato”, fu in grado di andare oltre i segni dove gli altri riconoscevano soltanto un’assenza. Giovanni ha potuto percepire la Presenza del Risorto. Egli “vide e credette”: questa è la via della fede. Lungi dall’essere un sentimento vago, la via della fede è la percezione della Presenza di Gesù Risorto, che si impone a noi come evidenza primaria, e offre la ragione, il senso di tutto il resto – della nostra vita e della vita del mondo. Cristo è risorto! Aleluia!

Funchal, 8 de abril de 2023

D. Nuno Brás, bispo do Funchal

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