Homilia do bispo de Santarém na solenidade da Imaculada Conceição

Maria Imaculada, aurora da Redenção
 
«Salvé, cheia de graça, o Senhor está contigo!» (Lc 1, 28). Em união com toda a Igreja, celebramos hoje a Solenidade da Imaculada Conceição, a singular graça e privilégio da Virgem Maria: desde a sua conceção, em ordem à sua maternidade divina, ela foi preservada de toda a mancha de pecado e enriquecida com uma plenitude de graça incomparável. Ela é, por isso, a mais santa de todas as criaturas!
 
Celebramos a Imaculada Conceição. Na verdade, foi no dia 8 de dezembro de 1854 que o Papa Pio IX proclamou este Dogma, dizendo: “Declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina que afirma que a bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro momento da sua conceção, por graça de Deus, foi preservada imune de toda a mácula do pecado original, é uma doutrina revelada por Deus e que assim deve ser acreditada firmemente”.
 
Celebrar esta solenidade é sentir o Coração de Maria palpitar de amor por Deus e por nós, na imensidão do mistério de Graça e de Amor do Pai pela Humanidade. Qual nova Eva, “cheia de graça”, Maria refulge na Igreja com as suas excelsas virtudes: ela é verdadeiramente Mãe, educadora e modelo da Igreja. “A Igreja, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como mãe amantíssima, filial afeto de piedade” (LG 53).
 
O “Sim” que iluminou a história
 
Os textos bíblicos, que escutámos, apontam para o cumprimento das promessas da alegria e esperança messiânicas, revelam-nos a força criadora e santificadora do Espírito Santo, que enche de beleza o universo e dá sentido pleno à vida humana.
 
A primeira leitura, um excerto do livro do Génesis (cf. 3, 9-15.20), é a narração simbólica da desordem que o pecado provocou no homem e na mulher, a sua rutura com Deus, com os outros e com a criação. Mas Deus, na Sua infinita bondade, não abandonou o homem no seu pecado. Vai ao encontro dele com profunda e amorosa preocupação:“Onde estás?” (Gen 3,15). A desobediência havia gerado medo, desconfiança, tristeza e morte. Foi a obediência de Maria que reatou a amizade e a harmonia perdidas.
 
Em Maria, Deus torna-se proximidade: a distância entre o céu e a terra foi vencida pela obediência da fé à palavra do Anjo Gabriel. Toda a história da Salvação se recolhe no coração da jovem de Nazaré, transformado em templo da Nova Aliança. Pela Encarnação do Verbo, o Pai manifesta o Seu Amor eterno pela Humanidade. “Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade, a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo” (Ef 1,5).
 
O “Sim” da Anunciação, recordado no texto do Evangelho (cf. Lc 1, 26-38), iluminou a história do mundo. A partir desse momento, Maria consagrou-se, inteiramente, ao serviço de Deus e de toda a família humana: “Eis a Serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (1,38). Tal como no início da criação o Espírito Santo estava presente com a sua força criadora, também na Anunciação do Anjo, é o mesmo Espírito o autor da nova Criação, através do “Sim” incondicional de Maria à Palavra de Deus.
 
Na humilde casa de Maria, em Nazaré, perante a perplexidade da jovem, o Anjo Gabriel comunica-lhe a mensagem divina: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra” (v35). Revela-se, deste modo, a relação misteriosa daquele Menino que está para nascer com Deus, Seu Pai. Assim escreveu São Leão Magno: “A humildade foi assumida pela majestade; a fraqueza, pela força; a mortalidade, pela eternidade”.
 
Tradição religiosa e cultural mariana
 
O povo português sempre dedicou à Imaculada Conceição um singular carinho e grande amor filial, que bem podemos comprovar ao longo da sua história. Assim, além da reflexão sobre o sentido do dogma e do apoio de algumas instituições culturais e dos próprios poderes públicos à sua promulgação, foi particularmente significativo o gesto de D. João IV, que proclamou Nossa Senhora da Conceição Rainha e Padroeira de Portugal e depôs a coroa real a seus pés, em Vila Viçosa, no dia 25 de março de 1646.
 
É grande a devoção à Imaculada Conceição e são muitas as tradições que lhe estão ligadas, de norte a sul do nosso país, como parte da vida cristã dos católicos e da vida cultural portuguesa. Na Madeira, concretamente, a Senhora da Conceição é Padroeira de três paróquias (Porto Moniz, Machico e Conceição – Ponta do Sol) e titular de cerca de vinte capelas, construídas desde os primórdios do povoamento, até aos nossos dias.
 
Ao ser, agora, colocada pelo Governo à Conferência Episcopal, a necessidade e a proposta de se prescindir de dois feriados religiosos, não é fácil indicá-los nem decidir, tendo em conta o que todos eles significam como “dias santos” para a maioria do povo português. De acordo com a Concordata, a decisão deverá ser tomada em negociações do Governo Central com a Santa Sé (Vaticano), que, para esse efeito, terá presente o parecer da Conferência Episcopal.
 
Será difícil, sem dúvida, optar entre o dia 8 de dezembro (Imaculada Conceição) e o dia 15 de agosto (Assunção de Nossa Senhora). Entre nós, concretamente, ainda que as opiniões possam divergir e apesar do reconhecido significado da Festa da Imaculada Conceição e das muitas tradições, que lhe estão associadas, o dia 15 de agosto afigura-se igualmente ou até mais importante, com profundas marcas e expressões em toda a Diocese, tanto para os residentes, como para os milhares de emigrantes, que então nos visitam.
 
É nesse dia, como sabemos, que são celebradas, em grande número de paróquias e com a participação de fiéis de toda a Ilha, muitas festas e arraiais em honra de Nossa Senhora, nas suas diversas invocações, nomeadamente a festa da Senhora do Monte, Padroeira da cidade e da Diocese do Funchal.
 
Perante a questão, que agora se coloca, a minha esperança está em que, dado o estatuto de autonomia da Região, se possa salvaguardar a proposta da Conferência Episcopal, quanto ao dia 8 de dezembro, como grande Festa da Padroeira e Rainha de Portugal, admitindo, no entanto, que se conserve o 15 de agosto, como dia santo e feriado, na Madeira e Porto Santo. É este, aliás, o desejo de muitos católicos e das autoridades regionais e locais que, de algum modo, se têm manifestado.
 
50 anos do Concílio Vaticano II
 
A Liturgia de hoje convida-nos a contemplar o admirável mistério de amor que celebramos e a seguir o exemplo de Maria que, pela fé, acreditou na Palavra de Deus. Diz-nos S. Cirilo de Alexandria, nas suas catequeses: “Aconselho-te a levar esta fé como viático, ao longo de toda a vida”.
 
Face à crise profunda de fé no tecido cultural da nossa sociedade e para fazer memória dos 50 anos do Concílio Vaticano II, Bento XVI convocou a Igreja católica, com a Carta Apostólica Porta Fidei, para celebrar um Ano da Fé. “Este terá início a 11 de outubro de 2012, no cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II, e terminará na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, a 24 de novembro de 2013. Nesta perspetiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo”, diz-nos o Santo Padre.
 
E partindo do pressuposto de uma fé comprometida com a vida, o Papa sublinha que, “oAno da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da caridade” (PF, 14).
 
Entre nós, esta celebração do Ano da Fé e todo o espírito de renovação da Igreja, suscitado pelo Concílio Vaticano II, não podem deixar de estar subjacentes e ser aprofundados no “percurso conjunto de renovação pastoral e comunhão eclesial” já iniciado e que nos conduzirá, de acordo com o plano trienal estabelecido, rumo às comemorações jubilares dos 500 anos da criação da Diocese do Funchal (1514-2014). Com efeito, as marcas conciliares da necessidade do aprofundamento e esclarecimento da fé, do testemunho da caridade e do compromisso social, são marcas inseparáveis do nosso objetivo global de edificar “comunidades cristãs vivas e apostólicas”.
 
Senhora do Advento
 
A Virgem Maria, Imaculada Conceição, celebrada no início do Advento, é verdadeiramente a Estrela da manhã, que nos guia até ao Natal de Jesus. O Advento é o tempo de Maria. É ela, a aurora da Redenção, que introduz a Igreja numa autêntica caminhada de Advento. As tradicionais “Missas do Parto”, já tão próximas, celebradas na nossa terra, apontam-nos caminhos novos de conversão e vigilância, de intimidade com Deus e de amor solidário para com os irmãos mais carenciados.
 
É neste sentido que Advento e Natal nos aparecem como tempos especiais de atenção mútua, de interesse pela vida e problemas uns dos outros, de maior preocupação na entreajuda e partilha fraterna de bens. A quadra do Natal tem sempre a marca da solidariedade e da fraternidade cristã, que se traduz em gestos concretos de presença e ajuda a quem mais precisa.
 
Tal como foi anunciado na minha recente Mensagem sobre a Renúncia do Advento, esta destinar-se-á, como no ano passado, ao Fundo Social Diocesano, fazendo-se a recolha das ofertas, nas missas dos próximos dias 7 e 8 de janeiro, com o objetivo de ajudar famílias em situações especiais de pobreza, nomeadamente por razões de desemprego e maiores necessidades no apoio às crianças, doentes e idosos.
 
Modelo de fé e de santidade, de amor e fidelidade a Deus, Maria toma-nos pela mão e convida-nos a estarmos atentos à escuta do Espírito Santo, para um verdadeiro seguimento de Cristo. É o Espírito que mantém acesa a chama, que revigora a nossa caminhada de fé e dá sentido à nossa vida, também nestes tempos de crise e dificuldades do mundo atual
 
Prece final
 
A Maria – Mãe, Senhora da Conceição, Senhora do Advento, Senhora do Monte, nos dirigimos, nesta hora, rogando-lhe que seja sempre a luz dos nossos caminhos e a ninguém falte a sua proteção maternal, que nos ajude a superar e a vencer as dificuldades da vida, conduzidos pela Palavra de seu filho Jesus!
 
Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!
 
 
 
Funchal, 8 de dezembro de 2011
 
† António Carrilho, Bispo do Funchal

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