Homilia do bispo de Coimbra na celebração da Ceia do Senhor

MISSA DA CEIA DO SENHOR 2019 – SÉ NOVA – COIMBRA

Caríssimos irmãos e irmãs!

Estamos a celebrar o sacramento da caridade, no qual Deus reparte connosco o Seu Corpo e Sangue, para matar a nossa fome e a nossa sede, para encher a nossa pobreza com a sua riqueza, para apagar em nós os sinais de morte e fazer brilhar os sinais de vida.

Estamos a celebrar o sacramento da caridade, no qual nos sentimos impelidos a repartir com os outros aquilo que temos e aquilo que somos, para que ninguém se sinta excluído do banquete da humanidade, para que todos tenham o necessário para viver com dignidade no seu corpo e no seu espírito.

A Eucaristia ou sacrifício de ação de graças de Jesus ao Pai é o sacramento da gratidão que nasce do amor reconhecido e retribuído. Tudo recebeu do Pai e tudo agradece ao Pai, pela oferta da Sua vida em favor da humanidade. Com Ele aprendemos a agradecer ao Pai o amor que nos tem e a retribuir com a oferta do sacramento e com a oferta da nossa vida em favor da mesma humanidade.

Não se pode falar de Eucaristia sem se falar de amor, pois nessa altura, da parte de Jesus seria uma obrigação decorrente do facto de ser Filho, que tem o dever de obedecer ao Pai. Ninguém mais livre do que Jesus, Aquele que pode chamar com verdade a Deus Seu Pai, Abbá, porque conhece e reconhece o Seu infinito amor. Dar a vida é um gesto de liberdade no amor, é a síntese de toda a Sua vida: por amor oferece a Sua vida ao Pai e por amor reparte a Sua vida com todos os que lhe são dados como irmãos.

A Última Ceia, de que nós fazemos memorial, hoje e em cada Eucaristia que celebramos, de acordo com o mandato que recebemos – “fazei isto em memória de Mim” – é o sacramento da caridade de Deus ao qual se une o sacramento da caridade dos homens. Assim como toda a vida de Jesus se resumiu num gesto sacramental e ritual, também a nossa vida tem a possibilidade de ali se representar no amor que recebemos e que damos. Aquele gesto sacramental torna-se o centro da nossa fé, que ali se exprime e se alimenta; o centro da nossa esperança, que cresce e se purifica; o centro da nossa caridade, que se aprofunda na relação com Deus e que projeta a relação com os irmãos.

Nada pior para a compreensão da Eucaristia e para a participação na sua celebração do que entendê-la como uma obrigação ou numa perspetiva ritualista. A oferta da vida é o que há de mais livre e de mais generoso, tal como Jesus nos ensinou quando disse: “a vida ninguém ma tira, sou Eu que a ofereço livremente” (Jo 10, 18). A participação no sacramento da Eucaristia, sinal da oferta livre da vida, também não tem sentido como uma obrigação, pois contrariaria o sentido profundo da oferta, negaria a gratidão e o amor, que não se impõem, mas brotam do coração livre.

Muitos cristãos lidam mal com a participação na celebração da missa dominical por vários motivos. Primeiro devido à debilidade da fé, que é um sentimento vago, mas determina pouco da realidade da vida. Uma fé intimista, espiritualista, intelectual e desligada da vida não sente necessidade de Eucaristia. No dia em que passar a significar uma relação de amor a Deus, uma relação de gratidão àquele que nos amou primeiro, passará a fazer parte do projeto que nos move e do coração que pulsa com ardor.

Em segundo lugar, há cristãos que lidam mal com a participação na Eucaristia devido à pobreza dos laços que os unem à Igreja, comunidade do Povo de Deus. Quando falta o sentido da comunhão de Deus connosco e de nós com Ele e com os irmãos, que receberam o mesmo batismo, fica apenas o sentido humano dos laços que nos unem e não se sente a dimensão sagrada da pertença ao Corpo de Cristo. Quando nos sentirmos membros do Corpo de Cristo e sentirmos a Igreja como mistério de comunhão, que ultrapassa os laços da nossa humanidade, desejaremos participar na Eucaristia como o  sacramento que exprime e realiza essa comunhão.

Em terceiro lugar, a dificuldade de ler a vida como um dom de amor, que se recebe para se dar, cria indiferença para com a celebração da Eucaristia, que é, por excelência, o sacramento da vida que se recebe e se dá em ato de amor a Deus e ao próximo. O egoísmo que se instala no coração de qualquer pessoa, mesmo que batizada, contraria radicalmente o significado da Eucaristia de Jesus e afasta da sua celebração do memorial da fé.

Não pode haver Eucaristia sem caridade nem verdadeira caridade do homem crente sem Eucaristia. O nosso caminho de vida cristã incluirá sempre o aprofundamento da fé no mistério de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, a comunhão com a Igreja, sacramento da salvação e um estilo de vida assente na caridade, ou seja, na oferta da própria vida em favor dos irmãos.

O gesto de Jesus, que lava os pés aos seus discípulos, apresenta-se-nos, hoje, como o sinal concreto da identificação de Eucaristia e caridade, como marca distintiva da condição cristã. Não se trata de uma caridade teórica ou racional, mas de contínuos gestos de amor e serviço, que hão de incluir a totalidade da nossa inteligência e vontade.

Queremos, nesta celebração da Missa da Ceia do Senhor, realizar o gesto simbólico do lava pés, para assinalar a nossa decisão pessoal e eclesial de acolher os outros como irmãos e a nossa vontade de estar sempre alerta para os servir como pessoas iguais em dignidade.

Os jovens são também pessoas vulneráveis, apesar da vitalidade que os anima; são também pessoas pobres, apesar da grandeza dos seus sonhos; são também irmãos para quem devemos olhar com misericórdia, pois enfrentam enormes desilusões.

A nossa cidade de Coimbra acolhe uma multidão imensa de jovens estudantes e tem de estar atenta às suas pessoas e anseios. Quando proclamamos que todos são iguais em dignidade e devem ter as mesmas oportunidades na vida, nem sempre estamos dispostos a acolhê-los e a dar-lhes o lugar que lhes cabe. Frequentemente os deixamos entregues à sua sorte; aos cuidados das suas famílias, quer elas tenham as possibilidades adequadas ou não; outras vezes reenviamo-los para as instituições, mesmo que elas estejam atrofiadas pelas suas normas gerais e demasiado burocratizadas.

Coimbra precisa de estar mais atenta a cada jovem, precisa de desenvolver um acompanhamento personalizado, tem de estar atenta às debilidades e necessidades dos seus estudantes. Há quem chega e se sente sozinho, há quem se perde no meio da massa, há quem se deixa seduzir pela novidade de estar fora de casa e sem a moderação e o aconchego familiar, há quem perca o ritmo nas atividades académicas, há quem encontra o vazio do sentido para a vida, há quem entra na noite escura da fé, e há quem vive na pobreza económica.

O nosso gesto de lavar os pés aos jovens estudantes de Coimbra pretende chamar a atenção para o lugar daqueles a quem o Papa Francisco chamou o hoje ou o presente da sociedade e da Igreja. Não podemos permitir que, em Coimbra, haja jovens estudantes sem carinho, sem presente nem futuro ou deixados de lado por não terem nascido num berço dourado ou por se terem deixado perder nas malhas enredadas da vida.

Cada jovem estudante precisa muito mais de propostas e oportunidades que o levem a sentir-se bem consigo, com os outros e com a vida,  do que de atrativas formas de se alienar do presente e do futuro. E nós temos a responsabilidade de lhas oferecer.

Enquanto Igreja Diocesana de Coimbra, manifestamos a nossa disponibilidade para estar no terreno, na atenção a todos e a cada um. As nossas instituições, serviços e movimentos procurarão alargar a sua ação, simplesmente por amor aos jovens. O Fundo Solidário do Instituto Universitário Justiça e Paz, para auxílio material aos estudantes pobres e para o qual reverte a nossa renúncia quaresmal deste ano, é também um sinal de um desejo de os acompanhar melhor.

Não há Eucaristia sem caridade, nem caridade cristã sem Eucaristia. Nesta Páscoa, Cristo passa também pela nossa cidade de Coimbra, põe a toalha à cintura e lava os pés aos nossos jovens estudantes. Rogamos-lhe que nos ensine a fazer o mesmo com caridade para que haja mais Eucaristia.

Coimbra, 18 de abril de 2019

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

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