Homilia do bispo da Guarda na Vigília Pascal

1.Cristo Ressuscitou verdadeiramente, aleluia, aleluia!

Este é o anúncio pascal que fazemos a nós próprios e ao mundo. 

Estas são as palavras da Visita Pascal que entra em cada casa ou passa pelas ruas. 

São a alegria e a força da esperança que queremos partilhar, nesta Páscoa, com o mundo todo, particularmente com os que mais sofrem.

 

2.”Porque buscais entre os mortos aquele que está vivo”? 

Assim falaram às mulheres aqueles dois homens, com vestes resplandecentes, junto ao sepulcro, que elas visitavam com os perfumes para completarem as práticas habituais da inumação.

 

A primeira grande surpresa foi o sepulcro vazio, com a pedra de entrada removida; e o corpo não estava lá.

Depois vem a explicação – Ele não está aqui. Ressuscitou.

E simultaneamente fazem apelo à memória,  para lembrar as palavras de Jesus, na Galileia, quando anunciou o percurso da Sua Paixão e Morte, com o final feliz da Ressurreição.

 

Na sua alegria, ainda misturada com algum medo e incerteza, as mulheres foram, a correr, contar aos 11 apóstolos, que estavam muito desanimados com tudo o que se passara na sexta-feira anterior. Eles não quiseram acreditar, porque estas palavras lhes pareciam um sonho, porventura um delírio de mulheres fáceis em acreditar ou mesmo um desvario.

Mas pelo sim, pelo não, Pedro foi ao sepulcro. Viu. Não terá acreditado de imediato, mas regressou admirado com o sucedido.

 

3.E tudo começou de novo, na Pessoa de Jesus cujo sepulcro estava vazio, mas principalmente na vida daquelas mulheres e dos apóstolos.

A grande novidade, que o sepulcro vazio representa e para a qual chama a atenção, é Jesus vivo e a vida nova que Ele inaugura e quer distribuir pelo mundo inteiro, a começar por estas mulheres e pelos apóstolos até chegar a outros discípulos, em número crescente que, pelo Baptismo, se configuram com Cristo.

É por isso que a Páscoa e principalmente a Vigília Pascal é o tempo do Baptismo, para os catecúmenos que vão ser baptizados mas também para aqueles que já o foram, e nesta noite, são convidados, como nós, a renovar as suas promessas batismais.

De facto, como lembra hoje a Carta de S. Paulo aos Romanos, está em causa a grande novidade das nossas vidas, que é morrer para o homem velho, morrer para o pecado, sendo sepultados com Cristo  na morte para com Ele ressuscitarmos para a vida nova.

Assim, o Batismo é realmente acontecimento pascal. ou seja, de passagem das trevas para a luz – o Batismo chama-se iluminação; da morte para a vida;  precisamente o contrário do verificado na experiência comum, em que a morte se segue à vida; passagem da criatura velha marcada pelo sofrimento, a morte e o pecado para a Humanidade Nova de que Cristo é a cabeça ou a primícia.

 

A passagem das trevas para a luz está bem simbolizada na primeira parte da Vigília Pascal, com a bênção do lume novo a culminar no Círio Pascal, grande símbolo de Cristo Ressuscitado, esse astro luminoso que não conhece ocaso, como hoje cantámos.

Por sua vez, a Palavra de Deus que hoje nos foi mais abundantemente distribuída, sobretudo com passagens do Antigo Testamento em maior número, transporta-nos para as maravilhas de Deus na primeira criação ou na passagem do êxodo, a verdadeira epopeia de todo o povo e também para o anúncio profético da Nova Humanidade baseada na Nova Aliança de Deus com os seres humanos.    

 

4.Falar da Ressurreição de Cristo e acreditar nela não é pensar que se trata apenas de mais um milagre que Deus faz para credenciar a Pessoa de Jesus. Não. 

Mais do que isso, a Ressurreição é o início da Humanidade Nova de que Cristo é a cabeça e o primeiro fruto. É recriação de um outro mundo, baseado no amor, no direito e na justiça, em que o ódio e a morte são destronados, e que, por isso, necessariamente tem de se distanciar de muito do que se passa no nosso mundo e mesmo contradizê-lo.

De facto, em Cristo Ressuscitado, os novos céus e a nova terra de que falam os profetas já se iniciaram, mas progridem devagar, dentro da nossa história, que continua sujeita a muitas contradições.

Em todo este processo, que se inaugurou na madrugada da Ressurreição, o sepulcro vazio foi o choque inicial, mas as iniciativas de Deus continuaram, com as aparições do Ressuscitado, para transformar a vida dos que fizeram esse encontro e a própria vida do mundo.

 

5.A nossa grande responsabilidade é, depois do encontro que fizemos  com o Ressuscitado, trabalharmos para a transformação do mundo, como Ele quer.

Sabemos que Jesus está vivo e oferece vida em abundância.

Ele veio para implantar nas sociedades a verdadeira cultura da vida. Mas nós constatamos que, à nossa volta, há forças, umas mais às claras e outras mais às escuras, postadas em promover a cultura da morte.

E, quantas vezes, essas forças se justificam, em nome de um conceito de liberdade sem fronteiras e partindo do princípio de que cada homem e cada mulher a ninguém mais têm de prestar contas do que a si próprios, agindo como senhores únicos do mundo, com direito a estilos e vida onde só contam os seus interesses e gostos pessoais, sem atenderem aos prejuízos causados a si mesmos e aos outros e rejeitando serem por eles responsabilizados.

A guerra é primeira consequência desta cultura de morte e da desresponsabilização generalizada que ela implica. Quando o bem das pessoas é secundarizado e fica sujeito aos objetivos do poder e da hegemonia material sem limites, vem a tentação de justificar tudo, mesmo os maiores crimes, como aqueles que diariamente nos chegam em direto.

 

6.A este propósito, lembro excerto de uma entrevista que ontem o Papa Francisco deu à Rádio Televisão Italiana. Perguntaram-lhe qual é, hoje, a maior tentação e o maior pecado da Igreja. Resposta pronta – a mundanidade.

E a mundanidade acontece quando se esquece o valor das pessoas para se deixar seduzir pelo poder e pelo dinheiro.

E sobre a sedução do poder, comentou assim, o que, de facto, se passou na Paixão e Morte de Cristo:

 “Os hossanas do Domingo de Ramos transformaram-se em crucifica-o, na Sexta-Feira Santa”. Foi o poder a cegar as pessoas.

Realmente, o facto da guerra, que todos os dias  nos chega em direto, é a expressão mais visível das cultura da morte. Mas esta tem outras manifestações, quase sempre menos visíveis, mas nem por isso menos graves.

É o caso do abandono dos mais frágeis, a começar pelos idosos, cada vez mais mergulhados na solidão, sem possibilidade de colocarem ao serviço o manancial de sabedoria que transportam consigo. Mas é também a incapacidade das nossas sociedades para darem futuro digno às gerações mais novas. 

Desta maneira, roubam a esperança aos jovens, porque não valorizam sobretudo os seus sonhos de mudança.

Também a organização do trabalho e dos diferentes serviços, em geral, precisa de ser revista, pois constatamos que está a gerar crescente exclusão social e marginalidade, o que é fatura muito pesada para pagar, já agora, mas sobretudo pelas gerações seguintes.

 

Há que ter a coragem de fazer agora as mudanças necessárias para tornar sustentável o futuro da sociedade e do mundo. Estas são responsabilidades grandes que estão a pesar sobre as atuais gerações.

E a novidade da Ressurreição também exige a procura de caminhos conducentes a modelos novos de vida em sociedade, onde todos se sintam bem acolhidos e valorizados nas suas capacidades e projetos de vida.

Aleluia! Cristo Ressuscitou. 

Desejo a todos Santa Páscoa e que levemos connosco esta mensagem para nossas casas e para os nossos ambientes

 

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