Évora: Homilia de D. Francisco Senra Coelho na Missa Crismal

Foto Diocese de Évora
  1. Caros Padres, permiti que inicie esta homilia com as palavras do Apóstolo João, retiradas do Livro do Apocalipse por nós acolhidas na Segunda Leitura: «A graça e a paz da parte de Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primeiro vencedor da morte e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama e nos purificou dos nossos pecados com o seu sangue, e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus e seu Pai; a Ele seja dada a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Ámen! »

Com o Apóstolo João concluímos que, participando na unção de Cristo, os Seus discípulos constituem um Povo Sacerdotal e messiânico que leva em si todas as esperanças da humanidade, pois Ele nos ama e pelo Seu Sangue nos liberta. Habitando no coração dos fiéis «como num templo» (LG. 9), o Espírito Santo introduz-nos «na plenitude da verdade» (OV. 17), «faz a distribuição das graças e dos ofícios» (UR. 2) e «realiza a maravilhosa comunhão dos fiéis» (UR. 2). Animado pelo Espírito Santo este povo prolonga, no tempo e no espaço, a acção salvadora de Cristo, até que Ele venha.

  1. «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu». Eis o sentido da celebração de hoje, com a bênção dos óleos e a renovação das promessas sacerdotais.

A centralidade da liturgia presidida pelo Bispo na Igreja-Mãe, a Catedral, sublinhada pelo Concílio Vaticano II (cf. SC 41), manifesta-se nesta celebração de modo icónico. Anualmente na Missa Crismal, os presbíteros renovam as promessas sacerdotais; consagra-se o azeite com as essências aromáticas da Confirmação, o óleo do crisma, o qual serve também para a ordenação dos Bispos e dos Presbíteros, para a dedicação das igrejas e dos altares, para a unção explicativa pós-batismal dos neófitos; por fim, benzem-se o azeite da unção pré-batismal dos catecúmenos e o azeite para a unção dos enfermos.

Iluminando a celebração, o Evangelho mostra-nos precisamente a acção Salvadora de Cristo, o Kairós da misericórdia do Pai. Apresenta o regresso de Jesus a Nazaré para oferecer ao seu povo as primícias da revelação. Entregue o volume das Escrituras Sagradas, após um instante de silêncio, no qual os olhos de todos se concentraram sobre Ele, comenta a passagem com solenidade. Com Ele se abre um Jubileu,  (Lv 25, 10), um “Ano de Graça” que não tem mais termo; cumpre-se um Tempo de Eterna Redenção e de Libertação Universal.

O anúncio messiânico da salvação que Jesus Cristo aplica a si, não se refere apenas à libertação do pecado, implica a libertação e salvação de todos os homens, do homem todo, de todas as formas de escravidão, exploração e degradação. Salvação que se consumará plenamente na parusia, mas que se torna esforço de acção para todos os cristãos que queiram colaborar com Cristo e com a Sua Igreja. “Nenhuma lei humana pode assegurar a dignidade pessoal e a libertação do homem como faz o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja” (GS. 41).

«Cumpriu-se hoje mesmo o que acabais de ouvir» (Lc 4, 21). Com esta frase Jesus afirma que é o Libertador, o enviado de Deus para salvar o povo, o esperado pelo seu povo… Hoje,  o mesmo Jesus continua a falar-nos, a interpelar-nos a agir. “Cristo está sempre presente na Sua Igreja” (SC 7). Cristo pede à Sua Igreja a maior transparência possível, para O apresentar como sua Cabeça, Fundamento e Mediador perfeito do Pai. A missão da Igreja é amplificar a Sua Palavra e pelo Espírito Santo procurar ser mestra no discernimento. Por isso, a Igreja é Corpo de Cristo, onde cada um tem o seu lugar, a sua missão, carisma ou ministério.

Radicalmente falando, a realidade interior do ser humano hoje, não é absolutamente diferente da do tempo de Jesus. A ciência e a tecnologia progrediram, mas o nosso coração continua a ser o mesmo e arrisca-se sempre a permanecer longe de Deus e dos irmãos, se não se encontra e abre pela Fé à Luz da Palavra, se não está disponível a acolher uma mensagem que o pode colocar em renascimento. O vazio, a escuridão, a solidão e a falta de sentido permanecem hoje, como ontem.

Foi-nos confiada a semente da Palavra viva e eficaz que deve ser testemunhada e anunciada para ser conhecida, descoberta, vivida com novidade. A Palavra de Deus que somos incansavelmente chamados a anunciar fundamenta a fé dos crentes e constrói a Igreja. «As Escrituras não nos foram dadas para que as conservássemos só escritas nos livros, mas para que as gravássemos no coração (…) impressas na nossa alma para que esta fosse purificada», como afirma S. João Crisóstomo na sua homilia sobre S. João (32, 16).

Caros Padres, a Palavra que anunciamos  pede-nos para sermos construtores e garantes da unidade da Igreja. A vivência da construção da unidade faz parte do nosso ministério sendo parte integrante e identitária da nossa missão: “para que também eles sejam um em Nós e o mundo acredite que Tu Me enviaste” (Jo 17, 21).

Que nada nem ninguém assuma o lugar e a primazia desta prioridade. Que os momentos e as actividades do nosso presbitério encontrem precedência em nossas opções e agendas. Sim, a edificação da unidade do nosso Presbitério e de toda a Igreja faz parte do nosso ministério!

  1. Tendo presente a beleza da nossa vocação e do “Sim” que ao modo de Maria, várias vezes pronunciamos no ritual das nossas promessas sacerdotais, no inesquecível dia da nossa ordenação e que hoje renovais, permiti caros presbíteros que relembre e tire algumas conclusões dessas radicais decisões e compromissos. Faço-o para mim e para vós, perante os desafios do ministério apostólico que compartilhamos.

Como não há Pastoral sem pastores, é de suma importância que esses pastores surjam em quantidade e sobretudo em qualidade. Quanto a esta última, a prioridade assenta sobretudo na sua maturidade humana e cristã, lucidez e dedicação. A boa relação entre os pastores é vital para a autenticidade da Pastoral. Os pastores nunca podem estar desligados e jamais se hão-de sentir abandonados, nem por Deus, nem pelo Bispo, nem pelos colegas, nem pelos fiéis, se isso acontecer, eis um tema a exigir de todos nós conversão e compromisso. Efectivamente, somos chamados a ser pastores segundo o coração de Deus (cf. Jer 3, 15), à imagem do coração do seu Filho Primogénito (cf. Mt 11, 29). Só na oração nos encontramos com o Amor inesgotável desse Amor, que nos ama como somos e jamais se cansa das nossas fraquezas.  É a partir desta experiência de encontro que saberemos amar com o Amor com que somos amados. Não sendo um exclusivo dos pastores, a Pastoral não subsiste sem pastores, há dimensões eclesiais em que os Presbíteros não poderão ser dispensados. É, sobretudo, o caso da paternidade e acompanhamento espiritual, da celebração da Eucaristia que edifica a Igreja e dos Sacramentos do perdão e da cura: a Reconciliação e a Santa Unção. O seu tríplice múnus de ensinar, santificar, governar e conduzir a comunidade cristã no discernimento, na comunhão e na paz dos irmãos é imprescindível às comunidades cristãs e assim permanece desde as origens da Igreja.

A partir da ordenação, nos pastores, nada neles é só deles; tudo neles é de Cristo. Ontológica e existencialmente não é o padre que vive, é Cristo que vive nele (cf. Gál 2, 20) e, por ele, em todos os que dele se aproximam, daí o incontornável valor do seu ministério. No mundo, o padre é chamado a ser presença de Cristo. Isto significa que, no mundo, o padre é sinal de outro Reino. O Papa tem-se referido incansavelmente a esta dimensão profética da Igreja: «Não à sua mundanização! Estar no tempo, mas sem ser do mundo». É decisivo que a realidade sacramental se repercuta no testemunho vivencial. O que o padre recebe no sacramento tem de se tornar visível na vida. Na missão, a competência é muito, mas a vivência é tudo. Importa que, com os Diáconos, continuemos a edificar as comunidades, nas quais  os leigos assumam as  funções próprias da sua laicidade, em forma de serviços e ministérios, libertando o presbítero de afazeres não específicos para que este possa exercitar plenamente o essencial do seu ministério, com tempo e paz. É este o caminho há muito discernido por nós; à Luz do Espírito Santo renovamos o propósito de: revelar juntos um novo rosto de comunidade, “Por isso reconhecerão que sois meus discípulos: Se vos amardes uns aos outros como eu vos amo” (Jo 13, 35). No documento Presbyterorum Ordinis, o Concilio Vaticano II reconhece que o padre faz, «a seu modo, as vezes da própria pessoa de Cristo». Estar totalmente descentrado de si e estar plenamente recentrado em Cristo. Tal como Cristo é a transparência do Pai (cf. Jo 14, 9), o padre há-de ser a transparência de Cristo, como experimentamos, espalha Cristo quem espelha Cristo, sendo expectável que a vida do discípulo esteja decalcada na vida do Mestre. Qual é, então, a prioridade em nossas vidas? A prioridade é estar com Cristo, acompanhá-lo sempre. O Evangelho anota que, antes de os enviar em missão, Jesus quis que os Doze  andassem com Ele (cf. Mc 3, 14). Para ser discípulo de Cristo, é preciso ser receptáculo de Cristo em si, em Presbitério e em comunidade com os irmãos. Parafraseando Sto. Inácio de  Antioquia, diremos que todo o padre tem de ser «cristóforo», aquele que traz Cristo. Só quem traz Cristo pode dar Cristo. Todas as dependências são opressoras. Há, contudo, uma excepção: a dependência de Cristo, esta é libertadora. Centrar-se em Cristo é a porta para aceitar até o que não tem aceitação justificável e a chave para compreender até o que não tem  compreensão possível. O padre pode ser um irrelevante para muitos, porém, em Cristo conseguirá aceitar o que quase ninguém compreende. Se o discípulo não é superior ao Mestre (cf. Lc 6, 40), é normal  que a sua vida esteja decalcada na vida do Mestre e seja a sua transparência. Torna-se, portanto, compreensível que o padre seja acompanhado ao longo da vida por incompreensões. Mas se a Cruz esteve presente na vida de Cristo, como é que poderia estar ausente da nossa vida? Eis a dimensão do testemunho, do martírio dos discípulos: “Que Ele cresça e eu diminua”. Será com o vosso martírio, amados Sacerdotes, que a Igreja revelará o seu autêntico rosto maternal enquanto serva de Deus em Sinodalidade; comunhão, fermento; luz e sal; Maria Mãe e Mestra da Humanidade.

  1. Bendito seja Deus pelo sacrifício aceite e oferecido pelo nosso Irmão D. Manuel Madureira, pelos nossos irmãos Presbíteros e Diáconos fragilizados pela idade e doença. Bendito seja Deus por cada um de vós. Bendito seja Deus pelos 50 anos de dedicado serviço dos Cónegos Manuel da Silva Ferreira e Manuel Maria Madureira da Silva; e pelos 25 anos de sacerdócio dos Padres Joaquim Carlos Antunes Pinheiro, Humberto César Gonçalves Coelho, José Gomes Sousa e Sezinando Luís Felicidade Alberto. Magnificat!

Caros Presbíteros, que os Bispos, Diocesano e Emérito, com o Diaconado, os Consagrados e Consagradas, os Seminaristas, as famílias e todos os cristãos, saibamos dar graças  por cada um de vós e por vós rezemos!

Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal e da Arquidiocese de Évora, intercedei pelo nosso presbitério e pelos nossos Seminários. Amém!

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