Em Balazar ecoa a grandeza dos pequeninos…

D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco

Fotos: Agência ECCLESIA

Após cinquenta e um anos de vida, o seu corpo repousa em paz, é verdade. Repousa em paz desde 13 de outubro de 1955, em Balazar, Póvoa de Varzim, sua terra natal. Era dia de aniversário da última Aparição de Nossa Senhora, em Fátima, da ‘Mãezinha’, como ela se lhe dirigia. O funeral foi uma «romagem de milhares e milhares de pessoas que, começada à 1 da tarde, continuou sem pausa, sem interrupção, durante a noite inteira até às 10 da manhã, hora da partida do cortejo fúnebre para a Igreja. Eram pessoas de todas as categorias sociais: lentes de Medicina, médicos, advogados, comerciantes, industriais, capitalistas, artistas e a enorme massa de povo modesto e humilde”. Hoje continuamos a celebrar os louvores desta pessoa simples, humilde e sofrida, mas ilustre pelas lições de vida que nos dá. O seu nome viverá de geração em geração, perseverando na memória do povo. A sua sabedoria e inteligência jamais serão esquecidas. A assembleia cantará os seus louvores, como proclama o livro de Ben Sirá.

Alexandrina Maria da Costa, como se impunha naqueles tempos, começou a trabalhar ainda criança. Serviu em casa alheia, trabalhou na lavoura, na costura e noutros serviços domésticos. Em 1918, quando costurava, saltou da janela do quarto – duma altura de quatro metros -, para se defender de quem lhe invadiu a casa com perversas intenções. Há quedas de mais alto com menos estragos. Esta, porém, e se Alexandrina já tinha sequelas de uma outra queda anterior de uma árvore abaixo, esta, porém, foi muito grave e muito mais grave se havia de tornar. Em 1925, ficou definitivamente acamada, com mielite na coluna dorsal. Foram trinta anos de sofrimento, até à morte. Pensando ser missionária, se melhorasse, sentiu as asas cortadas para tais voos. Inteligente e sincera consigo mesma, natural e sem outras pretensões, conforma-se com a situação na qual lia a vontade de Deus. Não entra em lamúrias nem desespera, ela encontra outra saída para viver feliz e ser útil. Consagra-se aos Sacrários de todo o mundo para reparar as profanações eucarísticas e o abandono a que Jesus, presente nos Sacrários, é sujeito. E, doravante, assume como sua vocação associar-se ao sofrimento de Cristo, oferecendo todo o seu sofrimento pela conversão dos pecadores. Nas suas experiências místicas, padecia os sofrimentos da Paixão de Cristo, desde o Horto até à Cruz, repetindo, durante horas, as estações da Via-Sacra. Nesses momentos dolorosos, superava a paralisia, descia da cama e dava mostras de intenso sofrimento físico. Os sofrimentos começavam às quintas-feiras, aumentavam por noite dentro e manhã, culminavam às três da tarde de sexta-feira. Torturada pelo sofrimento, tornou-se uma missionária apaixonada e eficiente de Cristo, tendo como lema de vida ‘amar, sofrer, reparar’, convite que lhe fora feito em 1931, por Jesus.

Inúmeras pessoas dirigiam-se a sua casa, umas à procura de aconselhamento espiritual, outras para ver e ouvir a ‘Santinha de Balazar’, outras, por certo, com aquela curiosidade ‘mórbida’ em busca do extraordinário, outras talvez para verem como era e dizerem como foi. A todos acolhia com um sorriso a esconder o persistente sofrimento, e, embora não fosse “exaltada nem fácil a dar conselhos”, a todos desafiava à santidade, a todos falava de Deus e apelava à conversão, a todos recomendava um amor concreto à Eucaristia, fonte da sua coragem e alimento da sua fé, a todos deixou um património imenso de orações a demonstrar o seu grande amor aos Sacrários de todo o mundo, sobretudo aos mais esquecidos e abandonados. Tinha um coração agradecido, cheio de amor abrangente e universal, vivia muito comprometida com a sorte dos outros, sobretudo dos pecadores.

Escreveu um diário, ditou a sua bibliografia, escreveu cartas e orações, intrigou uns e noutros provocou admiração e respeito dando-lhes azo a belos testemunhos escritos. A excelência dos seus escritos levou o P. Mariano Pinho, Jesuíta, a dizer que “Nenhum artista soube dizer coisas tão belas (…) coisas verdadeiramente admiráveis. Os poetas, mesmo os mais ilustres, teriam gostado de atingir aquelas alturas de intensidade, de emoção, de simplicidade e de beleza”. É tida como uma de entre as maiores figuras místicas de toda a história da Igreja.

Fez vários pedidos à Santa Sé no sentido de que fosse realizada a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, o que Pio XII fez, numa mensagem transmitida, a partir de Fátima, nos 25 anos das Aparições. Este ato foi repetido na Basílica de São Pedro, no Vaticano, a 8 de dezembro do mesmo ano. A partir de 1942, deixou de se alimentar, viveu em completo jejum e total anúria, sentia o sofrimento da fome e da sede, mas o seu físico tudo rejeitava. Durante treze anos apenas se alimentava com a comunhão eucarística, diária.

Antes de falecer, escreveu o epitáfio que gostaria ficasse sobre a sua campa. E lá se encontra, assim: “Pecadores: Se as cinzas do meu corpo vos tem utilidade para vos salvardes, aproximai-vos, passai por cima delas, calcai-as até que desapareçam, mas não pequeis mais, não ofendais mais o nosso Jesus. Pecadores, tantas coisas quereria dizer-vos! Não me chegava este grande cemitério para as escrever!… Convertei-vos! Não ofendais a Jesus, não queirais perdê-Lo eternamente! Ele é tão bom! Basta de pecar! Amai-O! Amai-O!».

Treze anos antes de morrer, escrevia: “Desejo ser sepultada, se for possível, com o rosto voltado para o sacrário da nossa igreja; pois como em vida sempre desejei unir-me a Jesus sacramentado e olhar para o sagrado Tabernáculo, assim também depois da minha morte desejo continuar a velá-lo, conservando-me voltada para ele. Sei que com os olhos do meu corpo já não verei a Jesus, mas desejo ser colocada naquela posição, para demonstrar o amor que sinto pela sagrada Eucaristia”. Foi beatificada em 25 de abril de 2004.

Alexandrina é um “fruto maduro da graça e da liberdade”, é um “dom de Cristo à sua Igreja e ao mundo”, é uma cidadã universal, sem fronteiras. Por isso, Balazar continua a ser um ponto de convergência, um centro eucarístico e de reconciliação, um santuário onde chega muita gente, de perto e de longe, muita dela com feridas e dores no corpo e na alma. E se, em certos dias, há multidões agradecidas a celebrar a fé, noutros há gente que procura o silêncio para se encontrar consigo mesma e com Deus. Ali ecoa o mistério de Deus e a grandeza dos simples!

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