«É fundamental mobilizarmo-nos para uma solidariedade global» – John Coughlin

Responsável das emergências da «Caritas Internationalis» aponta prioridades na ajuda à Ucrânia e diz temer pelas populações, quando os holofotes mediáticos se desligarem

Foto: Caritas Ucrânia

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

 

A Cáritas está a trabalhar na Ucrânia e nos países de fronteira, onde continuam a acorrer milhões de pessoas. Como é que a organização está a ajudar as populações?

A Cáritas está a trabalhar de diversas maneiras, conforme o país. Na Ucrânia, estamos com as duas Cáritas que existem, e centros de acolhimento onde as pessoas podem ficar, comer, tomar banho, ter um lugar quente. Para ficar ou estar em trânsito, porque já estamos a ver três grandes grupos-alvos: pessoas que fogem, pessoas em trânsito e pessoas presas nas caves das cidades, que não podem movimentar-se.

 

São esses os principais desafios no terreno?

Sim, sim. Na Ucrânia é isso.

 

Como se organiza uma resposta desta dimensão? O acolhimento temporário corre o risco de tornar-se indefinido ou definitivo, como acontece em tantos campos de refugiados no mundo?

O grande desafio é que este é um acontecimento muito repentino. E de uma escala que foi prevista num dos três cenários que a Cáritas Ucrânia tinha, mas de uma violência tal que levou à movimentação de muitas pessoas.

Temos tantas pessoas afetadas, de um dia para o outro. Temos tantas pessoas a atravessar fronteiras e a ser ajudadas pela Cáritas, que trabalha junto das pessoas vulneráveis, mas não nesta escala de resposta. É muito importante. O trabalho que faço é muito baseado na coordenação: nós, Cáritas, temos de estar coordenados com os Governos, as Nações Unidas, outras organizações, entre nós, na Igreja Católica, e as próprias Cáritas nacionais, diocesanas, paroquiais. É todo um trabalho de coordenação para assegurar que o nosso trabalho é ágil e eficiente.

 

A experiência na resposta a outras emergências internacionais trouxe lições para esta crise na Ucrânia?

Sim. Penso que a experiência que temos tido, mesmo no sudeste da Europa, com a chegada de tantas pessoas – não de uma forma tão repentina -, fez com que cada Cáritas tivesse de aumentar a escala do seu trabalho. Trabalhavam, mas não com tanta gente que bateu à sua porta.

Foi um trabalho de formação, de aumentar a organização para responder às necessidades das pessoas que chegam.

 

E a capacidade de resposta da Cáritas, até onde vai?

A Cáritas Ucrânia, com a guerra desde 2014, já trabalha muito nesta área. Aumentou a sua experiência humanitária para fazer grandes operações, grandes projetos. Existe capacidade, na Ucrânia e com as Cáritas nos países vizinhos, mas a questão é aumentar esta capacidade de forma veloz, para poder responder às necessidades das pessoas com qualidade.

 

Vemos que muita gente, em Portugal, se tem mobilizado para enviar bens e para acolher refugiados. Que conselhos deixa para quem quer ajudar e não tem, talvez, tanta experiência nestas situações de crise? Qual é a melhor forma de atuar?

Para nós, a maneira mais eficaz é ajudar as pessoas, ajudar a Cáritas através de donativos em numerário. É muito mais difícil responder às necessidades das pessoas quando já temos bens, que até podem não responder às necessidades que as pessoas expressam.

A Cáritas na Ucrânia, na Polónia, está a falar com as pessoas que têm necessidades, está a sistematizá-las, para criar um programa que lhes responda. O projeto tem de ter os bens alinhados com as necessidades prioritárias, se não for assim, os bens podem não ser úteis para esse fim.

Há uma questão muito importante, que é a escassez de bens na Ucrânia, neste momento, pelo que estamos a procurar os bens na Polónia, por exemplo. Compramos as coisas no mercado local e estamos a levar camiões da Polónia para a Ucrânia, isso é já um custo logístico, tudo o que diz respeito ao transporte. Imagine-se levar coisas de Lisboa ou do Porto para Varsóvia ou Lviv, esse é um custo enorme. Pergunto-me: não seria melhor que esse dinheiro fosse gasto mais perto da assistência? De onde acontece essa assistência…

 

A guerra vai deixar consequências muito sérias nas novas gerações, como acontece em todos os conflitos. É preciso uma atenção especial, no imediato e no futuro, por parte de quem acolhe as crianças que fogem da Ucrânia?

As crianças e não só, é um grande trauma para todas as pessoas que sofreram esta violência, os adultos também. De facto, os programas da Cáritas, em todos os países, têm como prioridade o apoio psicossocial. O nosso trabalho, em todos os programas que temos lançado até agora, tanto na Ucrânia como nos países vizinhos, está focado no apoio psicossocial, é muito importante acompanhar as crianças, os adultos que têm sofrido este trauma muito grande, nas suas vidas. Temos de assegurar uma assistência profissional para essas pessoas.

É importante que os trabalhadores da Cáritas tenham formação na primeira resposta de socorros psicossociais, para poder identificar os casos e poder referenciá-los às pessoas mais apropriadas para a sua assistência.

 

Na Ucrânia estão dois cardeais que foram enviados pelo Papa Francisco. Que importância pode ter para a população a presença de figuras como estes enviados do Papa num cenário de crise?

Acho que a mensagem é muito importante. A proximidade do Santo Padre e dos seus representantes é muito fundamental neste momento. Nós em cada telefonema temos de comunicar a proximidade. A proximidade de cada Cáritas à população da Ucrânia. E os diretores estão a apreciar esta comunicação em que a gente não foi esquecida. E eu estou a sentir de Portugal uma grande mobilização dos fiéis, das pessoas de boa vontade para ajudar este povo que está a sofrer tanto.

 

Um dos enviados do Papa, disse à Renascença que gostava de chegar a Kiev. Dada a experiência e conhecimento da Cáritas do terreno será possível ao Cardeal Konrad Krajewski concretizar a sua intenção? Ele nesta altura encontra-se em LVIV…

Sim. Tem de se organizar muito bem este tipo de viagem. É muito perigoso e é importante a negociação de todo o caminho de Lviv para Kiev para assegurar que todos os atores estão conscientes de que temos uma pessoa em viagem. E também a mesma coisa com as pessoas que estão a tentar fugir. Estamos a ver que estes corredores humanitários são bastante complexos e bastante difíceis de negociar e depois de respeitar. Então é muito importante que este corredor para levar o cardeal de Lviv para Kiev seja muito seguro.

 

John Coughlin

Falou dos corredores humanitários. Como se chega às pessoas que não conseguem fugir – idosos, pessoas com deficiência, tantos casos… Os corredores humanitários são essenciais para evitar o abandono destas populações?

Acho que funciona da mesma forma que em Portugal. A Cáritas fica perto das pessoas mais vulneráveis e é a mesma coisa que está a acontecer na Ucrânia. Estamos a tentar alcançar as pessoas que têm problemas. Pessoas mais velhas, pessoas com deficiência, pessoas com problemas de mobilidade. É esse o trabalho da Cáritas. Ir de casa em casa onde temos identificado pessoas que precisam de ajuda especial.

 

 

E depois de avanços e recuos é possível acreditar na eficácia dos momentos de cessar-fogo e abertura de corredores humanitários?

Temos visto o caso de Mariupol. Espero que as negociações que estão a acontecer façam com que tenhamos um cessar-fogo para a gente poder transitar e poder ir até um posto mais seguro. Temos de rezar por isso e como diz o Santo Padre não podemos esquecer a humanidade.

 

Como vê a atuação da União Europeia, especificamente, no que diz respeito ao acolhimento dos refugiados? Se a situação se agravar, pensa que o clima de contestação pode aumentar, nos países que recebem estas pessoas?

Face a esta crise tem sido muito positiva a atuação da União Europeia. Até agora as decisões têm sido muito benéficas e vão em boa direção. Também os países têm aberto as suas portas e estão a trabalhar muito bem para ajudar ao acolhimento das pessoas. É muito difícil prever como vai ser a situação dentro de seis meses, um ano. Temos de ver como evolui o conflito porque estamos a falar de mais de dois milhões de pessoas que estão a chegar. Então o acolhimento pode ter bastantes constrangimentos ao longo do tempo.

 

Receia um conflito alargado no tempo?

Espero que não, claro. Esperamos que os líderes destes países cheguem à paz porque não sei como seria o mundo, onde é que iria parar este mundo…

 

Com outras crises aprendemos que, depois de algumas semanas de atenção intensa, os media e a opinião pública tendem a esquecer as emergências humanitárias e a procurar outros focos de atenção. Teme que isso aconteça na Ucrânia e países vizinhos?

Sim, acho que é importante que não esqueçamos os conflitos e os desastres de outras partes do mundo. Mesmo em 2021 na Ucrânia chegamos a ter menos de metade do total do projeto previsto. Sabemos que as Cáritas no mundo têm menos doações, mas é importante que possamos responder a estas crises, talvez mais esquecidas. Por exemplo na Etiópia não estamos em condições para chegar ao orçamento previsto. Se falarmos das Filipinas já se esqueceu o grande tufão que houve. Também em Tonga tivemos o tsunami. Como é que a Cáritas pode responder com as limitações financeiras de cada um? Temos de não esquecer, temos de mobilizar as pessoas.

 

O desinteresse da Comunicação Social por essas situações reflete negativamente nos apoios solidários que são fundamentais para a Cáritas?

Sim. Estamos a ver uma certa tendência em que as Cáritas possam angariar fundos através da atenção dada pelos media. Então se as pessoas veem na televisão ou ouvem na rádio que existe uma crise, isso é importante. É importante nós falarmos dessas crises, nas paróquias, nas comunidades católicas. É fundamental mobilizarmo-nos para uma solidariedade global.

 

Que mensagem deixa para todos os que sofrem nesta guerra?

Eu diria algo muito básico e reforçaria o que diz o Santo Padre. Não podemos perder a esperança. Acho que é uma declaração bastante simples, mas é fundamental não perder a esperança.

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