D. José, um bispo invulgar

Roberto Carneiro

Sua Eminência o Cardeal Patriarca Emérito, Senhor D. José Policarpo, inesperadamente levado para a realização da sua experiência pascal definitiva, foi um bispo incomum, absolutamente invulgar, a diversos títulos.

 

Um bispo “stretch”

Nas minhas aulas de Gestão ensinei ad nauseam as duas tipologias fundamentais de pessoas – líderes – e de organizações. As primeiras, são as pessoas e organizações “fit” que se adaptam a cada contexto particular, que se “encaixam” flexivelmente aos estímulos do ambiente que as rodeia. Por seu turno, as lideranças e organizações “stretch” distinguem-se pela capacidade de se excederem perante cada novo desafio, de encontrarem formas inovadoras de se reinventarem para criativamente responder a situações diferentes das anteriormente conhecidas.

D. José foi claramente um bispo “stretch” na sua admirável intuição de defrontar cada repto – da universidade aos meios de comunicação social, da cultura cristã ao diálogo aberto com os não crentes – de maneira inesperada e mobilizadora, augurando em cada gesto, ou sentença dita, o renascer de uma nova eclesiologia.

O Senhor Patriarca José era, manifestamente, um inconformado “by design”!

 

Um bispo urbano

Apaixonadamente enraízado na trepidação da urbe moderna, o 16º Patriarca de Lisboa foi um líder da Nova Evangelização (ICNE) que com os seus pares de Paris, Bruxelas, Viena e Budapeste, “esticou”, até às fronteiras do inverosímil, a pastoral urbana.

D. José, um académico provindo da Teologia Dogmática, soube como ninguém estabelecer a ponte entre as duas cidades agustinianas – a de Deus e a dos homens – com manifesto espírito de abertura e “desdogmatizado”, isto é, infatigavelmente atento aos “sinais dos tempos”.

O Senhor Patriarca José era, amorosa e autenticamente, um “homem da cidade”.

 

Um bispo profético

Ele fomentou, com raro sentido do devir histórico, uma cultura de antecipação, em missão de serviço a uma Igreja que, para se cumprir, terá de ser necessariamente profética. Soube como ninguém encontrar no caldo de múltiplas culturas, em contacto, uma fonte inesgotável de futuríveis. Sem ser um tecnólogo consumado adquiriu, cedo, a noção do seu impacto incontornável na conformação de novos comportamentos pessoais e sociais, buscando ver longe, antes dos demais, um futuro novo e fascinante.

O Senhor Patriarca José era, reconhecidamente, um “homem culto e sábio”.

 

Um pastor de almas

Sedutor na palavra oportuna, atento na ancoragem individualizada que fazia a cada situação concreta,  arrebatador pela convicção com que falava, mobilizador na (re)invenção que incutia nas intervenções socioculturais, o Senhor D. José foi um verdadeiro pastor de almas. Nas suas constantes deambulações pelos meandros intersticiais entre fé e ciência, buscou sempre pontes onde outros adivinhavam confrontos, procurou sempre unir o que outros separavam e conseguiu sempre incutir uma perspectiva transcendental onde outros encontravam apenas razão. Como académico, nunca descurou a metodologia científica sem nunca renegar o fascínio do mistério. Pastoreou mentes e almas no Seminário e na Universidade, deixando em quantos tiveram o privilégio de com ele conviver a marca indelével do mestre.

O Senhor Patriarca José era, por vocação e instinto, um “educador consumado”.

 

***

 

Senhor D. José:

Peço-lhe que aceite a homenagem sentida e saudosa deste seu humilde admirador e discípulo.

Mas, igualmente lhe peço que não se esqueça da solene promessa feita à nossa família. Lembra-se do que nos disse quando o convidámos para presidir ao sacramento do matrimónio do primeiro Carneirinho a enveredar pela constituição de um novo lar, há cerca de 12 anos?

“Com certeza e …  hei-de casar toda a tribo!” – proclamou, enfaticamente, com a sua proverbial generosidade.

Pois, cá ficamos à sua espera nas cinco bodas que ainda nos falta celebrar.

 

Até breve, Querido Senhor D. José!

 

Roberto Carneiro

Linda-a-Velha, aos 14 de março de 2014

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