D. Augusto Eduardo Nunes e a I República

A implantação da República, em 1910, deu início a um tempo de grandes dificuldades para a Igreja Católica no Alentejo, na qual se destacou D. Augusto Eduardo Nunes, Arcebispo de Évora.

A implantação da República, em 1910, deu início a um tempo de grandes dificuldades para a Igreja Católica no Alentejo, na qual se destacou D. Augusto Eduardo Nunes, Arcebispo de Évora.

A primeira década da República foi extremamente difícil nesta área do Alentejo.

O Cón. Francisco Senra Coelho, professor de História de Igreja no Instituto Superior de Teologia de Évora, refere em entrevista à Agência ECCLESIA que “em 1910 existiam 111 padres na diocese e dez anos depois só existiam cerca de 30. A vivência destes dez anos foi muito específica. De 1910-12, a pastoral diocesana sofreu imenso. Os sacerdotes deixaram de receber do Estado e passaram a viver da caridade pública”.

O Pe. Senra Coelho é autor de uma Tese de Doutoramento intitulada “Monseigneur Augusto Eduardo Nunes, Archbishop of Évora (1850-1920): From the University of Coimbra to Archbishop of Évora in the Contexto f the First Republica”, na Phoenix International University, com o reconhecimento do British Council.

Agência ECCLESIA (AE) – No diálogo entre a hierarquia da Igreja e os governantes da 1ª República, um bispo alentejano teve um papel fulcral. Como caracteriza D. Augusto Eduardo Nunes?
Francisco Senra Coelho (FSC) – É uma figura humana muito interessante e com uma personalidade muito vincada. Nasceu em 1849, na cidade de Portalegre, embora toda a sua família tenha origem em Elvas. É um caso interessante, do ponto de vista eclesial, para a arquidiocese de Évora porque é um dos bispos naturais desta arquidiocese. Elvas tinha deixado de ser diocese e fazia parte da diocese de Évora. Não há muitos bispos alentejanos…

AE – Existe alguma razão específica?
FSC – A partir do liberalismo, o Alentejo deixou de ter muitas vocações. O clero de Évora, Beja e também parte de Portalegre viveu bastante das vocações vindas das Beiras e também alguns casos vindos do Minho. Com a falta de vocações locais sentiu-se menos da possibilidade de existirem bispos alentejanos. Este é um bispo alentejano do século XIX que nasceu na capital do Alto Alentejo, Portalegre.

AE – Disse que D. Augusto Nunes era uma figura humana interessante. Porquê?
FSC – Ainda muito pequeno, Augusto Eduardo Nunes perde o seu pai. Um irmão de seu pai que era sacerdote no Patriarcado de Lisboa protege-o. Traz a sua cunhada, D. Augusto e seus irmãos para a cidade de Lisboa. Depressa se apercebeu que se tratava de um menino com muita capacidade intelectual. Como tal, Augusto vai estudar para o colégio de Campolide que pertencia aos jesuítas. O tio investe nele. Revela-se uma criança com o desejo de ser sacerdote e seguir as pisadas do tio. Posteriormente, entrou no Seminário Patriarcal de Santarém e aí faz a formação sacerdotal com distintíssimas notas. Foi um aluno brilhante.

AE – Nos tempos de aluno exerceu a função de secretário do Seminário.
FSC – Tinha capacidades extraordinárias. Distingue-se de tal forma que foi escolhido para se ir formar em Teologia, na Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra. Aí, mostra a plenitude da sua capacidade.

AE – Chegou a leccionar nessa Faculdade.
FSC – Foi professor. No entanto, como aluno fez uma série de trabalhos que estão marcados com um valor imenso para se perceber a Igreja em Portugal no século XIX. Estuda os temas mais actuais do seu tempo e debate-os com as figuras proeminentes do pensamento.
A questão da evolução, criação e Darwin foram temas por ele aprofundados. Tem um trabalho – «Antropocentrismo» – que é fundamental para se perceber o pensamento de um teólogo face às posturas darwianas que surgiam no século XIX.
Na altura debatia-se muito sobre se «Jesus existiu historicamente ou não?». Ele faz uma reflexão com muita abertura e diálogo ao pensamento mais oposto à existência de Cristo, através de um trabalho intitulado «O milagre».
No seu tempo, debatia-se também o «futuro das colónias portuguesas». Depois do regresso da corte do Brasil, colocou-se muito este problema. Fez um trabalho profundo sobre a importância de continuarmos a evangelização no ultramar português.

AE – Há uma temática – retomada por Leão XIII – sobre o valor do pensamento de S. Tomás de Aquino. Ele também entrou nas discussões neotomistas?
FSC – Foi uma das figuras que se envolveu na defesa do neotomismo. Faz estas reflexões quando era aluno.

AE – Era muito eclético nas reflexões?
FSC – Muitíssimo. Apesar dos temas abordados faz uma tese de doutoramento sobre o «Múnus Social da Igreja».

A «Rerum Novarum» não evolui em relação ao pensamento de D. Eduardo Nunes

AE – Um trabalho anterior à celebre encíclica de Leão XIII «Rerum Novarum».
FSC – Sim. Das investigações que fiz, em Roma, apercebi-me que o Papa Leão XIII tentou recolher tudo o que havia de bibliografia sobre esta temática. Mandou ir de Portugal para Roma o «trabalho» deste jovem teólogo para o conhecer de perto na elaboração da «Rerum Novarum». Não consigo comprovar isto documentalmente, mas consigo comprovar testemunhalmente através de cartas escritas à Nunciatura de Lisboa a pedir que lhe seja enviado a referida tese de D. Augusto Eduardo Nunes.

AE – Esta dissertação de doutoramento teve mais de uma dezena de edições?
FSC – O pensamento de D. Augusto Eduardo Nunes foi estudado, pela primeira vez e arrancado dos arquivos, pelo Cón. José Paulo Abreu, da diocese de Braga. Foi tema de uma tese de licenciatura na Universidade Gregoriana, em Roma. Foi ele que teve o mérito de descobrir o pensamento deste homem.
Podemos considerar que D. Augusto tem um pensamento de estrutura conservadora. Pretendia resolver a questão social a partir da caridade cristã. Faz uma leitura conservadora de uma sociedade estratificada, mas propõe coisas interessantes: a constituição de sindicatos para defender o interesse dos operários e propõe a vinculação da Igreja aos interesses dos operários, através dos Círculos Operários Católicos.

AE – Enquadra-se na óptica da «Rerum Novarum».
FSC – Isso é nítido. A «Rerum Novarum» não evolui em relação ao pensamento de D. Eduardo Nunes. Ele compreende duas coisas que não eram comuns no clero português. Havia «coisas novas» e que a Igreja tinha de estar atenta a algo que estava a acontecer. Portugal não era apenas uma sociedade rural e a Igreja tinha a obrigação de ter uma palavra esclarecedora e comprometida com a nova realidade.
No contexto liberal, onde a Igreja era atirada apenas para funções religiosas/litúrgicas – um pássaro em jaula de ouro -, ele afirma que a Igreja tem direito a pronunciar-se sobre as questões sociais.

AE – Estávamos no início da questão da «proposta socialista», na altura chamado socialismo utópico.
FSC – Também foi objecto de reflexão por parte de D. Augusto Eduardo Nunes. Para concorrer à cátedra, faz a célebre dissertação sobre «O Socialismo e o Catolicismo» onde faz a análise das propostas para a resolução da questão social que surgia com uma incipiente revolução industrial em Portugal. É neste contexto que se coloca um problema muito grave à Faculdade de Teologia de Coimbra. O manual de Teologia utilizado não continha os ensinamentos do I Concílio do Vaticano porque o regalismo do Estado português, da monarquia constitucional, não permitia que fosse publicada a posição sobre a infalibilidade pontifícia. Isto era grave.
D. Augusto Eduardo Nunes escreve o primeiro compêndio de Teologia Dogmática que não teve beneplácito régio pelo facto de ser fiel à doutrina da Santa Sé. Esse compêndio não pôde ser publicado. Em 1885 foi nomeado arcebispo de Évora e, um ano depois, consegue publicar esse compêndio. Um manual que teve várias edições, a última é de 1911.

AE – A maioria dos padres do final do século XIX e início do século passado estudaram pelo compêndio de D. Augusto Eduardo Nunes.
FSC – É verdade. Em quase todos os seminários era utilizado esse manual.

AE – Apesar do seu valor intelectual, D. Augusto Eduardo Nunes é uma figura quase desconhecida?
FSC – As principais obras que falaram da I República em Portugal – por exemplo a perseguição da Igreja na I República – não apresentam no índice analítico qualquer referência a D. Augusto Eduardo Nunes.

AE – É intencional?
FSC – Penso que foi por falta de conhecimento e de apresentação da figura. Como não teve essa proposta acabou por ficar empalidecida perante a grande figura de D. Manuel Vieira de Matos, do Cardeal Mendes Belo e de D. António Barroso. Agora aparece a sua recuperação que coloca no sítio exacto aquele homem que é o autor dos principais documentos colectivos do episcopado do português.

Era considerado a «boca de ouro» da Península Ibérica

AE – Voltando aos tempos de Coimbra, como era o relacionamento dele com os futuros políticos republicanos?
FSC – Depois da proclamação da chamada «Lei das Cultuais» (Os bens da Igreja deviam ser administrados e conduzidos por grupos de leigos), ele fez, como todos os bispos, a denúncia dessa lei. Acontece que, pelo facto de terem denunciado essa lei, os bispos foram desterrados das suas dioceses, menos ele (foi desterrado apenas a 8 de Abril de 1912). Vivia uma amargura imensa e curiosa: “Devem pensar que sou um traidor e que faço uma posição dupla perante os meus colegas”.
Esta possível interpretação advém da relação que tinha com Afonso Costa, Teófilo Braga e grandes pensadores da República que foram antigos colegas em Coimbra. Daí, como muita probabilidade, ele ter sido alvo de um grande encontro pessoal com Monsenhor Aloisi Masella, responsável dos negócios da Santa Sé em Portugal, para, constantemente, dar o seu parecer. Era a pessoa da hierarquia da Igreja mais próxima dos governantes republicanos.
Por outro lado, esta pessoa que faz a redacção dos documentos colectivos do episcopado português – estava muito bem preparado teologicamente e era considerado a «boca de ouro» da Península Ibérica – tinha a capacidade de ser compreendida pelos grandes paladinos da 1ª República. Ele era uma figura grada aos professores de Coimbra.

AE – Era um homem muito aberto para o seu tempo.
FSC – Era um dos poucos bispos portugueses que tinha compreendido que não era necessário a Igreja viver um regime monárquico. Ele apontava o caso da Bélgica e dos Estados Unidos da América. Compreendeu que a Igreja não tinha que ser filo-monárquica nem anti-republicana. Ela tinha que exigir liberdade para ser Igreja.

AE – Do ponto vista de político, onde se situava D. Augusto Eduardo Nunes?
FSC – Não tinha dependência partidária, mas – quando se dá a implantação da República – ele assume uma posição de saudação da República. Faz içar a bandeira republicana no paço episcopal. Reúne o cabido e faz a saudação à República. No percurso da sua vida encontramos como que uma desilusão na forma como esta se desenvolveu. Não posso dizer que ele teve uma fase que foi republicano, mas saudou a República com esperança. Não podemos esquecer que a experiência que ele tinha da Monarquia Constitucional era extremamente negativa: uma Igreja oprimida que tinha sofrido a confiscação de 1834 e o posterior envelhecimento das religiosas e encerramento dos conventos.

AE – Olhou para a República como uma nova Primavera
FSC – Sim, mas depois fez uma experiência de certa amargura e desilusão. Defendeu – sem dúvida nenhuma – através de uma acção que o episcopado empreendeu de constituir em Portugal a União Católica. Defendeu, pelo menos estrategicamente – não direi que o tenha feito oficialmente – a possibilidade existir um partido católico para defender os interesses da Igreja. Por outro lado, nos principais documentos colectivos do episcopado português, ele incentivava os leigos a não reagirem violentamente contra a República, mas a tomarem uma posição intransigente na defesa da Igreja.

Era um bispo com grande substrato universitário

AE – Como é que ele lidou com este reacender do ódio à Igreja?
FSC – Através de uma denúncia muito forte e activa. Pediu aos católicos que fizessem uma união de esforços pela defesa da Igreja. Aí descobrimos as sementes do seu apoio a um partido católico no contexto da 1ª República. Ele está inserido neste apoio a que os católicos se organizem e tenham o seu partido.
Ele escreveu o protesto colectivo dos bispos portugueses à Lei da Separação do Estado e das Igrejas. Classifica esta lei como vilipêndio. Como arcebispo de Évora a sua intervenção também é forte. Uma das obras mais belas da sua pena foi o protesto dirigido ao Presidente da República aquando do seu desterro. Nunca baixou a sua voz e denunciou com muita categoria todos os atropelos.

AE – Os governantes republicanos sabiam que era ele que escrevia estas pastorais colectivas do episcopado?
FSC – O processo era muito discreto. Os bispos reuniam-se em Lisboa, S. Vicente de Fora, onde faziam uma leitura dos acontecimentos. Depois do período de diálogo, atribuíam a D. Augusto Eduardo Nunes a tarefa de escrever os documentos. Estas reuniões eram do conhecimento de Mons. Aloisi Masella.

AE – Havia alguma razão específica para lhe atribuírem esta tarefa de escrever em nome dos bispos de Portugal?
FSC – Era o teólogo dos bispos portugueses. Era um bispo com grande substrato universitário e com uma grande capacidade de redacção.  Era muito equilibrado nas posições: nem filo-monárquico, nem anti-republicano.

AE – O bispo do Porto, D. António Barroso, também era credível e muito respeitado entre os seus pares.
FSC – D. António Barroso era um bispo missionário (esteve em Moçambique e Índia) e não tinha a formação universitária de D. Augusto Eduardo Nunes. D. António Barroso primava pela sua santidade e pelos gestos proféticos. Não podemos esquecer que o arcebispo de Évora tinha um percurso académico e com relação pessoal com os ministros da República. Foram antigos companheiros de Coimbra.

AE – Realizaram-se encontros privados entre D. Augusto Eduardo Nunes e Afonso Costa?
FSC – O arcebispo de Évora veio negociar, privadamente e confidencialmente, posições com Afonso Costa. Em relação à Lei da Separação, D. Augusto Eduardo Nunes escreveu uma carta a Teófilo Braga dizendo que a referida legislação não deveria acontecer sem as constituintes estarem devidamente constituídas, visto que ainda não tinha havido eleições. Uma lei tão fundamental para o país, como a Lei da Separação, não deveria ser decretada por um Governo provisório. Alguns pontos mais acutilantes da nova Lei da Separação – conforme relatou mais tarde a Mons. Aloisi Masella – talvez os bispos aceitassem se fossem propostas de outro modo.
D. Augusto Eduardo Nunes teve também dois encontros pessoais com Afonso Costa sempre relativos ao problema da diocese de Beja. Esta diocese ficou sem bispo – D. Sebastião Leite Vasconcelos foi expulso (fugiu para Sevilha e depois para Roma) de Portugal – e era necessário um administrador apostólico para Beja. Afonso Costa queria fazer a destituição do bispo de Beja como se fosse uma morte.

AE – Posição não admitida pela Santa Sé.
FSC – Para a Santa Sé, ele seria sempre bispo de Beja. Esta foi a posição recomendada a D. Augusto Eduardo Nunes. Se alguém fosse nomeado para Beja deveria sê-lo pela Santa Sé e ter a função de administrador apostólico em nome do bispo titular, mas que não podia estar devido à situação gerada. Esta posição não era aceite pelo Ministro da Justiça, Afonso Costa.

Fez a ponte diplomática entre alguns republicanos e a posição da Igreja.

AE – Mas D. Augusto Nunes foi nomeado administrador apostólico de Beja?
FSC – Foi uma contenda complexa. D. Augusto teve de ser fiel à Santa Sé e entender-se com Afonso Costa. O arcebispo de Évora procurou que Afonso Costa percebesse a posição da Santa Sé: que ele fosse nomeado pela Santa Sé e não por Afonso Costa. Uma nomeação sem nunca D. Sebastião Leite Vasconcelos deixar de ser bispo de Beja. Ser em nome de e na ausência de, provocou vários encontros pessoais entre D. Augusto Eduardo Nunes e o Ministro da Justiça. Entenderam-se e a posição foi evoluindo. Fez a ponte diplomática entre alguns republicanos e a posição da Igreja.

AE – Para além das suas qualidades intelectuais, o lado diplomático também se fez notar em D. Augusto Eduardo Nunes?
FSC – Muitíssimo. O arcebispo de Évora era um correspondente com Mons. Aloisi Masella quase permanente. No arquivo diocesano de Évora e no arquivo da Nunciatura Apostólica de Lisboa (presente agora no Arquivo Secreto do Vaticano) encontrámos uma correspondência ao ritmo do tempo que demorava a chegar cada carta. Mons. Aloisi Masella era um jovem. Neste percurso, este monsenhor necessitava de uma pessoa experiente: D. Augusto Eduardo Nunes teve uma função específica na acção diplomática dele. Ninguém imaginava que em Évora estava um cérebro que fazia os documentos do episcopado e fazia a ponte entre a Nunciatura, Santa Sé e Governo provisório.

AE – Existem documentos que provam que era D. Augusto Eduardo Nunes que escrevia as pastorais colectivas?
FSC – Há correspondência entre ele e o cardeal. Este pedia-lhe para ele escrever em nome dos colegas. Mandava o texto para o cardeal e para Mons. Aloisi Masella. A maioria dos historiadores faz apenas a referência que ele é o autor da primeira carta pastoral, mas ele redige três documentos: a primeira carta, o protesto e a carta de 1917.

Mons Aloisi Masella: uma profunda admiração pelo arcebispo de Évora.

AE – Como nasceu esta proximidade com Mons. Aloisi Masella?
FSC – Há um pormenor que merece ser realçado. Quando a monarquia percebe que estava no fim, começou a tomar posições semelhantes àquelas que a República acabou por assumir. Quando se dá a implantação da República estava para sair uma legislação muito semelhante à que a 1ª República assumia. A monarquia fez um «golpe de rins» para tentar ganhar a ala republicana. Neste contexto, D. Augusto Eduardo Nunes manifesta-se muito magoado pela monarquia. Em 1908, para o acalmar, esta atribui-lhe uma medalha que D. Augusto Eduardo Nunes recusa. Não veio a Lisboa receber a condecoração das mãos de D. Carlos. A nível nacional foi assumido como um protesto do arcebispo de Évora.
Esta atitude de D. Augusto Eduardo Nunes gerou em Mons Aloisi Masella uma profunda admiração pelo arcebispo de Évora. A maioria dos bispos tinha uma postura filo-monárquica. O cardeal Mendes Belo foi bispo do Algarve antes de vir para Lisboa. Foi transferido para a capital pela sua postura política filo-monárquica. A Santa Sé percebeu que o homem interiormente livre era D. Augusto Eduardo Nunes. O Papa Pio X condecorou-o pela sua colaboração com a Santa Sé.

AE – A sua formação inicial foi nos Jesuítas. Existindo um «ódio de estimação» dos republicanos aos elementos da Companhia de Jesus, D. Augusto Eduardo Nunes não sofreu com esta proximidade?
FSC – O fenómeno do anti-jesuitismo em Portugal não está relacionado com os Jesuítas. O termo «jesuitismo» era uma forma pejorativa que equivalia a dizer que alguém era fiel aos princípios e ensinamentos da Igreja Católica. Chamava-se «jesuíta» a uma pessoa que se confessasse normalmente ou que fosse catequista. Era uma forma de agredir um cristão empenhado. D. Augusto Eduardo Nunes é alcunhado de membro do «jesuitismo». Quando fez um centro catequético na Igreja dos Lóios, gerou-se um movimento, na década de 80 e 90 do século XIX, contra ele. Queriam fechar o centro porque o arcebispo de Évora era um «jesuitista». No entanto, não havia nenhum jesuíta envolvido no centro catequético, nem existiam jesuítas em Évora. Surgiu mesmo um panfleto com várias páginas contra D. Augusto Eduardo Nunes.

AE – Isto denota que teve problemas na sua diocese?
FSC – Enquanto arcebispo de Évora, D. Augusto Eduardo Nunes tem páginas de muito sofrimento. Chegou à diocese numa situação de vacância muito prolongada. O arcebispo de Évora – D. José António Pereira Bilhano – era um homem idoso que vivia em Ílhavo (na actual diocese de Aveiro). Não tinha saúde para estar em Évora. A sua nomeação também foi polémica porque ousou presidir às exéquias do grão-mestre da maçonaria portuguesa. Perante esta situação, a Santa Sé duvidou de D. José António Pereira Bilhano.
Quando D. Augusto Eduardo Nunes entrou em Évora encontra-a num estado pastoral lastimoso. Como pastor, a acção dele confrontou-se com as forças liberais e anti-jesuíticas. Quis impor à diocese determinada dinâmica, sobretudo na linha da catequese. A sua primeira carta pastoral é sobre a catequese e da necessidade dos párocos ensinarem a catequese. Na altura, o ensino da catequese era muito precário.

AE – Esta desertificação catequética teve consequências nefastas nas vocações sacerdotais.
FSC – Até 1880, o Seminário de Évora foi abastecido por vocações alentejanas. Este seminário começou a receber as primeiras vocações do Norte do país e também das Beiras, na década de 80 do século XIX. Até esta data, Redondo, Campo Maior, Elvas, Estremoz e Vila Viçosa forneciam vocacionalmente o Seminário de Évora.
Com a implantação da República, os seminários foram encerrados. Destes, apenas o Seminário de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa e Évora se mantiveram abertos apesar de pagar uma renda ao Estado. O Seminário de Évora estava aberto, mas com um exíguo número de alunos. No ano da implantação da República (1910), os cinco candidatos à ordenação sacerdotal foram-se embora. Em 1917, o Seminário passou a ser um quartel.
Só com a chegada (1920) de D. Manuel Mendes da Conceição, a diocese começou a recuperar a sua dinâmica pastoral.

AE – A primeira década da República foi extremamente difícil nesta área do Alentejo.
FSC – Em 1910 existiam 111 padres na diocese e dez anos depois só existiam cerca de 30. A vivência destes dez anos foi muito específica. De 1910-12, a pastoral diocesana sofreu imenso. Os sacerdotes deixaram de receber do Estado e passaram a viver da caridade pública.
De 1912-14, D. Augusto Eduardo Nunes foi desterrado para Elvas. Desta localidade fazia o governo – através de correspondência – de Évora e de Beja. Quando voltou a Évora, em 1914, começa a odisseia para reabrir o Seminário.
Em 1917, na defesa feita a D. António Barroso e ao Cardeal Patriarca Mendes Belo, D. Augusto Eduardo Nunes sofre a segunda expulsão. É expulso, conjuntamente com D. Manuel Vieira de Matos (arcebispo de Braga), de Portugal. Quando de dá o golpe de Sidónio Pais é revogada essa situação e não necessita de sair de Évora.

Registo biográfico
O Pe. Francisco Senra Coelho nasceu na cidade de Lourenço Marques, a 12 de Março de 1961. De uma família originária de Barcelos, foi ordenado padre a 29 de Junho de 1986, por D. Maurílio de Gouveia.
Esteve dois anos como coadjutor da cidade de Évora onde desempenho também as funções de redactor da Rádio Renascença – Voz do Alentejo. Estudou Teologia, Filosofia e História da Igreja em Roma.
Regressado a Évora, o Pe. Senra Coelho assumiu a docência das cadeiras de história da Igreja. Conclui o doutoramento em História, nos Estados Unidos, sobre D. Augusto Eduardo Nunes.

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