Cultura: Desenhar Deus implica «deixar em aberto» a interpretação, afirma o ilustrador Pedro Rocha e Mello

21 anos de campos de férias no Camtil levou o artista a Atenas, na Grécia, a um centro de acolhimento de famílias, onde sentiu a impotência na ajuda de quem espera, sem saber o dia de amanhã

Lisboa, 22 out 2024 (Ecclesia) – Pedro Rocha e Mello, ilustrador à procura de traços que exprimam as relações e emoções, disse à Agência ECCLESIA que importa que os desenhos traduzam palavras “tangíveis” e diz que desenhar Deus “implica deixar em aberto” a interpretação.

“É natural que os desenhos sobre Deus para as crianças correspondam à ideia de céu, nuvens, um senhor de barbas brancas, porque vão ao encontro das palavras que elas têm; à medida que as pessoas crescem, desenvolvem-se mais imagens e ganhamos liberdade. Por exemplo, o vento, a beleza e o mistério deixam em aberto a representação de Deus”, traduz.

Desafiado a um trabalho para a Rede Mundial de Oração para a ilustração de alguns episódios bíblicos, Pedro Rocha e Melo optou por desenhos “de costas, com rosto não identificável”, abrindo para uma interpretação “onde todos cabem”.

As recordações de criança mostram-lhe o início do sonho, quando passava “horas” a desenhar e a pintar, antes ainda de saber que “havia alguém que fazia profissão” disto.

O ilustrador fala num trabalho de “persistência” feito no papel em branco ou no computador para encontrar “o traço que funcione, que faça sentido, seja coerente, fale verdade também”, sem a pretensão de “fechar o desenho na minha interpretação”.

Na animação em vídeo, na ilustração para livros ou manuais de Educação Moral e Religiosa Católica, Redo Rocha e Melo não esconde o seu fascínio pela animação aliada aos meios multimédia, numa fusão entre diferentes disciplinas: “A maneira como um acorde de violino faz uma flor brotar, ou como um trovão pode ser um violoncelo que de repente explode e de repente toda a cena e a paleta de cores muda e torna uma cénia muito tensa, interessa-me”.

A vida de Pedro Rocha e Mello cruzou-se durante 21 anos com os campos de férias do Camtil, colónias de férias da Companhia de Jesus, que durante 10 dias convida jovens e crianças e viver na natureza e a desenvolver relações entre si, com Deus e com o ambiente.

“Fui participante e depois, durante 13 anos, fui animador, e trata-se de uma escola que não tem preço porque as crianças estão a ser formadas, num trabalho de equipa. Saber lidar com diferentes cansaços, temperamentos e situações, congregar diversas crianças de diferentes realidades, e com elas crescer, prepara-nos para a vida de uma maneira que não esperávamos”, explica.

A animação dos campos de férias do Camtil levou Pedro Rocha e Mello a integrar a Plataforma de Apoio aos Refugiados, em 2016, e a aterrar em Atenas para durante alguns meses trabalhar num centro de apoio e acolhimento de refugiados, que recebia famílias em processo de reunificação ou recolocação em países europeus.

“Eram famílias à espera, como se estivesse no aeroporto a aguardar um voo que as leve ao destino final, mas o tempo de processamento distende-se e as famílias não sabem como vai ser o dia de amanhã. A frustração surge e, entre adultos, é difícil gerir”, recorda.

A implementação do centro de acolhimento na cidade de Atenas, coloca as pessoas, sem capacidade financeira, com acesso fácil a “prostituição, prostituição infantil, consumo de álcool, de drogas”.

“Quando o centro fechava, nós não podíamos controlar, apenas apelar ao bom senso responsável para que não cedessem a tentações ou ao dinheiro fácil”, recorda.

Pedro Rocha e Mello exprime uma sensação de “impotência” de quem “como privilegiado português”, que desconhece “o quão difícil é manter a maturidade e sanidade”, procurava mostrar “caminhos sem ceder ao facilitismo”.

Para Atenas o ilustrador levou um caderno, que serviu de diário, mas também de folhas em branco, hoje cheias de “gatafunhos de crianças”, desenhos, “imensas palavras árabes e versões em português”, jogos do galo e de palavras e “outras tantas ideias para brincadeiras inventadas que pudessem ser feitas num ambiente de espaço muito reduzido, mas que fosse funcionais e repetíveis no tempo”.

“É um caderno que tem bolsinhas e está cheio de muitas outras folhas, de muitas cores diferentes, de post-its e de guardanapos de café, onde se escreveram ideias a ser executadas… Acabou por ser um mapa mental”, recorda.

A conversa com Pedro Rocha Mello pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, emitido pouco depois da meia-noite, e disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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