Construir para não destruir: a comunhão e a unidade

Foto Jornal A Guarda/Francisco Barbeira, D. António Luciano

“Amarás ao Senhor, teu Deus… E ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10,27). Este é o tema da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos de 18 a 25 de janeiro, festa da conversão do Apóstolo São Paulo.O Ecumenismo faz grandes desafios aos cristãos no caminho para a construção da unidade. É um objetivo e um sonho que apesar das divisões que existem há tantos séculos, mostra muitos sinais de esperança.

Felizes os que sonham e sabem unir-se aos irmãos para criar laços e relações de amizade, vivendo em comunidade o testemunho da comunhão, na construção da justiça e da paz entre os cristãos e pessoas de boa vontade.

Este é um tempo forte e privilegiado de construção do amor para com Deus, através da oração e do testemunho ecuménico na corresponsabilidade da justiça para com os irmãos no compromisso de amar e servir o próximo, com gestos de caridade.

Uma verdadeira conversão espiritual é essencial para um verdadeiro diálogo ecuménico, para que todos sejamos um. “A unidade dos cristãos, que tem a sua fonte e o seu objetivo final no amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma graça pela qual é necessário recorrer a Deus em oração.” (Texto da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, 2024, p.55).

O sonho de construir a unidade assente num projeto de vida em comunhão e em diálogo na fé com Deus pela graça do Batismo, com todos os cristãos, formando o Corpo de Cristo, é a missão que a Igreja tem para com todas as pessoas de boa vontade, ao escutarem as palavras de Jesus, o único Pastor das nossas almas, que nos pede “para que todos sejam um só, como Tu Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17, 21).

Na Oração Sacerdotal, Jesus pede ao Pai para que os discípulos cheguem à perfeição da unidade e assim “o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim” (Jo 17, 23). Para que isto seja verdade, implica da parte de cada um de nós reconhecer Jesus como o enviado do Pai, que na Sua Palavra como o Senhor da vida que unifica nos pede: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10, 27).

O lema desta Semana convida-nos a ir ao encontro dos que estão feridos e doentes, com um coração movido de compaixão que deve entregar-se ao cuidado do outro, porque este é o nosso próximo. O mistério de Jesus Cristo morto e ressuscitado deve ser presença privilegiada na nossa vida, em cada dia. Esta experiência faz do cristão e da pastoral da Igreja o caminho da fé expresso nas palavras de Jesus: “Vai e faz tu da mesma maneira”.

Deus fala ao coração da nossa existência através dos nossos sonhos, projetos e planos de realização, particularmente aos que são mais excluídos da sociedade. A inspiração cristã do cuidado deve ser algo que deve fazer parte do horizonte do quotidiano ecuménico, que nos leve a trabalhar como cristãos, em cada acontecimento humano, comungando com os irmãos  o amor fraterno que é de ontem, de hoje e de sempre.

Seguir Jesus, o “Christus Totus é, propriamente, o Cristo unido à sua Igreja e a todos os seus membros” (Amedeo Cencini, “O respiro da vida”, p. 216). Para Paulo, é o mistério por excelência “escondido desde toda a eternidade em Deus”. […]. “Conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento” (Ef 3, 18-19).

Chamados a servir a Igreja e a humanidade no mistério da comunhão e da unidade no meio das densas trevas, que o mundo de hoje atravessa, não podemos ser obstáculo ao verdadeiro discernimento eclesial, que nos convida a seguir Jesus em todos os momentos da nossa vida.

Só o bom Samaritano, o Servo, que cuida sabe educar para a charitas do bom Pastor. “Seguir-Te é ir para além das viagens do meu ego. Significa viver a vida sem pisar ou fazer sofrer os outros. Há aqui um mundo a explorar. Negar-me a mim mesmo – chegar a um ponto onde eu deixo de ser a coisa mais importante do mundo; ser capaz de me sentar confortavelmente longe dos primeiros lugares; ser feliz a ouvir; aceitar sem ressentimentos as humilhações que sofro através dos tempos ou das circunstâncias.” (Sacred Space).

As provações da vida e os momentos em que não sabemos construir a comunhão e a unidade na Igreja, são situações que provocam sofrimento e abrem feridas no Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja.  A túnica de Cristo, sobre a qual deitaram sortes no Calvário, é nos oferecida como sinal de unidade, por isso não deve ser dividida, pertence a todos e manifesta uma mensagem teológica importante na caminhada da fé para todos os que acreditam em Deus, pela graça do Espírito Santo e recebem Jesus como Salvador e Redentor das nossas vidas.

Na docilidade ao Espírito Santo e na confiança em Jesus, unidos pelas preces diárias, que nos ajudam a crescer espiritualmente e a procurar a verdade de Deus na nossa própria vida, a oração torna-se assim a alma do apostolado.

“A oração cristã nasce, nutre-se e desenvolve-se em torno da Palavra de Deus e tem a sua fonte no mistério pascal de Cristo. A realidade orante educa, porque rezar significa estar diante da verdade de Deus e na verdade de si mesmo.”

Os tempos difíceis em que vivemos provocados pelas guerras, conflitos armados, má distribuição da riqueza e dos recursos naturais cria no mundo atual uma desigualdade abissal, que infere na pobreza, na habitação, no trabalho, na indiferença, na violência, no terrorismo e em formas mais sofisticadas de destruição e opressão.

O nosso mundo está cheio de tantos sinais alarmantes e negativos destruidores da vida e dos valores do respeito pela dignidade da pessoa humana, mas também é preciso reconhecer os sinais positivos. Só um trabalho em equipa, em rede, pode tecer laços de amor fraterno para construir comunidades de perdão, capazes de fazer da justiça, da solidariedade, do amor e da fraternidade pilares indispensáveis para a vivência da paz, da unidade e da comunhão com todos.

É preciso converter “as foices em relhas de arado” empenhadas na construção do amor universal como caminho para a comunhão, a unidade e a paz.

Os desafios do caminho sinodal na Igreja, comunidades e presbitério passam pelo convite a mudar mentalidades, estruturas, serviços, organismos e práticas pastorais, no sentido de todos experimentarmos uma maior proximidade, através da escuta, do diálogo mais atento num processo de discernimento elaborado, onde se cultivam relações novas e pascais, que nos conduzem a caminhos novos de corresponsabilidade, de conversão e de renovação pastoral.

Todos somos precisos, devemos envolver-nos nos processos de discernimento, de modo a que ninguém fique de fora. Esta forma de viver e fazer pastoral em caminho sinodal é uma arma poderosa para construir a comunhão e a unidade e, simultaneamente, destruir a indiferença e o individualismo, que afetam a nossa sociedade, a Igreja e o mundo, enfraquecendo a sua história e a vida do próprio ser humano.

+ António Luciano, Bispo de Viseu

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