Cinema: «Silence» de Martin Scorsese visto por um jesuíta português em Roma

O filme faz refletir sobre as «fragilidades» da fé, afirma o padre António Ary que assistiu à sua apresentação por ocasião do encontro do realizador com o Papa

Lisboa, 02 nov 2016 (Ecclesia) – O padre jesuíta António Ary diz que o filme “Silence”, de Martin Scorsese, sobre a Companhia de Jesus no Japão, é uma obra desafiante porque envereda por um percurso pouco habitual para quem reflete sobre a fé.

Em entrevista hoje à Agência ECCLESIA, o sacerdote atualmente a estudar Direito Canónico em Roma conta como foi a experiência de assistir, em primeira mão, à mais recente obra do realizador norte-americano, que só deverá estrear em Portugal no início do próximo ano.

“É um filme forte, que impressiona bastante pela história e pelas imagens”, realça o padre António Ary, que destaca depois o ângulo de abordagem que “faz pensar” porque está “mais centrado nas fragilidades” da fé do que nas suas forças, que no limite levam ao "mártirio".

O filme “Silence”, que conta com interpretações de atores como Liam Neeson e Andrew Garfield, relata o percurso de dois jesuítas portugueses, duas personagens fictícias identificadas como Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe, que partem à procura de outro sacerdote da Companhia de Jesus, Cristóvão Ferreira (1580-1650), este uma figura histórica, que teria renunciado à fé cristã após ser torturado.

“Não é de todo um filme épico ou apologético e daí o seu interesse. Nós ouvimos muito, e lemos, rezamos a história dos santos, dos mártires, e pouco temos contacto com o outro lado, com quem sofreu a perseguição e acabou por negar a fé”, realça o padre António Ary.

Questionado sobre se esta esta obra poderá de alguma forma influenciar a imagem que se tem da Companhia de Jesus, o sacerdote diz que não devem existir quaisquer complexos nesse campo.

“Nós não pretendemos como jesuítas ter tido apenas heróis e santos, somos pessoas normais com as nossas fragilidades”, salienta o jovem que entrou na Companhia de Jesus em 2005 e foi ordenado sacerdote este ano.

O padre António Ary viu o filme na companhia de cerca de 400 colegas da congregação, na sequência da ida do realizador Martin Scorsese a Roma para a apresentação do projeto, viagem que incluiu uma audiência com o Papa Francisco, também ele jesuíta.

Para o sacerdote português, nascido em França, trata-se de uma obra que “põe em imagens coisas muito concretas”, não só o que significa “renunciar à fé”, todo o drama pessoal e espiritual que isto encerra, mas “sobretudo o desejo missionário” que sempre caraterizou a Companhia de Jesus.

A aposta da congregação em “acompanhar comunidades que já existiam mas que estavam sobre perseguição”.

“E ilustra bem o que é o desejo da Companhia de levar o nome de Jesus e sobretudo ajudar outros a viver e conhecer a sua fé”, completa o padre António Ary.

Numa altura em que estão em marcha processos de canonização para diversos jesuítas portugueses que foram martirizados no Japão, o sacerdote acredita que esta película poderá ajudar a despertar a curiosidade do público em geral à volta da congregação, a conhecer melhor a sua história e carisma.

Quanto aos cristãos, o jesuíta português radicado em Roma admite que o filme “Silence” possa levar as pessoas a questionarem mais a sua fé, o modo como a vivem e testemunham.

Isto porque retrata uma forma de assumir a fé bem mais radical do que por exemplo carateriza o mundo “ocidental”, conclui.

HM/JCP   

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