Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Faz sentido provar a existência de Deus? Ao ler “Deus, a Ciência, as Provas” de Michel-Yves Bolloré e Olivier Bonnassies, lembrei-me de um texto que escrevi há 14 anos. Concordei com o teólogo Wolfhart Pannenberg, que vê Deus como a Realidade-que-tudo-determina, e que se revela a nós de um modo indirecto e a partir do nosso íntimo. Porém, surge um paradoxo: pode uma realidade compreender algo maior que a Realidade-que-tudo-determina? Não. Portanto, a conclusão a que chegava era a de que a pergunta “qual a prova da existência de Deus?” não faz qualquer sentido. Então, qual é o argumento deste livro?
Os autores enfatizam que o universo teve um início, alinhando-se com a visão religiosa de um universo criado por Deus. O início seria um indício da existência do Criador. Mas e se não houvesse um início? Mesmo sem um começo, não vejo razão para que o universo não pudesse ter sido criado por Deus. O que está em jogo não é tanto o ato criador de Deus, que vai além de uma condição inicial. O que está em jogo será sempre a forma como nós compreendemos a realidade do universo do qual somos uma parte inextricável. O acto criador de Deus é uma condição existencial. Por isso, a linguagem pode limitar a nossa compreensão se for mal utilizada. Nesse sentido, a palavra “existência” é crítica. Parece-me que não estamos na condição de questionar a “existência de Deus”, mas sim a “experiência de Deus”. Porque Deus, de facto, não existe no sentido comum. Explico.
Se Deus existisse, seria como qualquer outra realidade que existe. As reservas que tenho em conjugar as palavras “Deus existe” advém de serem uma conjugação muito limitada para a Realidade-que-tudo-determina. O que me parece fazer mais sentido é afirma que “Deus é Existência” (além de Deus é Amor, como nas Cartas de S.João). Porém, faz algum sentido perguntar se “a Existência existe?” Não creio. Sabemos pouco de Deus, mas se acolhermos esta possibilidade de contemplar Deus como a Existência que dá sentido a tudo, relacionamos corretamente “Existência” e “Deus”. A existência de Deus não faz sentido porque Deus é a existência.
Se Deus é Existência, não faz sentido provar a sua existência, mas sim experimentar essa Existência. Na prática, a questão da existência de Deus muda e torna-se: “É possível experimentar Deus-Existência?” A experiência íntima de quem procura Deus é um caminho de crescimento e sabedoria. Se substituirmos a busca da existência pela da busca da experiência, que palavra poderia substituir a “prova”? Diria — “Inferência”.
É legítimo perguntar que experiência fazemos de Deus-Existência. Por isso, a busca sem sentido de provas torna-se uma busca intencional de inferências a partir da nossa experiência. E o modo como inferimos depende do confronto que fazemos entre aquilo que vivemos e experiências passadas. Então, o que podemos inferir da experiência de Deus-Existência?
Bolloré e Bonnassies não oferecem “provas” da existência de Deus, mas relacionam conhecimentos que permitem inferir sobre a possibilidade de experienciar Deus-Existência através da contemplação das equações que revelam um universo com início e constantes que se variassem nos seus valores, tudo desmoronaria. Porém, estou mais inclinado para o desmoronar dos nossos modelos. Contudo, ao limitarem-se à física, Bolloré e Bonnassies arriscam oferecer uma visão redutora do mundo criado. A realidade é feita de relações complexas, com ordem emergindo do caos. A complexidade surge de padrões no caos, proporcionando uma experiência de beleza pela harmonia de contrastes que pode tornar-se numa experiência de Deus-Existência.
A ânsia de provar Deus através da ciência pode vir da dificuldade em aceitar que Deus criou um mundo distinto de Si, que se desenvolve autonomamente. A autonomia é um dom de Deus-Existência que garante a liberdade do mundo. Se estivéssemos presentes no início do universo, não poderíamos inferir a possibilidade de vida por não existir sequer carbono. Podemos com isso inferir estarmos numa narrativa inacabada, e que Deus continua a criar e a renovar.
A falsa pergunta sobre as provas da existência de Deus mantém-nos desorientados, como cães a perseguir a própria cauda. Espero que um dia sigamos um caminho mais interessante, unindo a experiência exterior e interior para inferir como e porquê Deus-Existência, que é Amor, escolheu criar um universo livre. Alguns recusam a experiência de Ele ser Existência, preferindo a ilusão da questão da existência. Talvez seja mais fácil manter perguntas sem sentido, desafiando a crença de quem experimenta Deus. Para quem teme que tais perguntas abalem a sua fé, digo: Deus não é a Resposta a todas as perguntas, mas a Pergunta que mantém viva a busca pelo sentido da vida. Não são as perguntas que nos mantêm em movimento? Creio que Deus quer fazer da nossa vida uma busca infinita pela sabedoria sem fim.
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