CIBERCULTURA – A conversão do Ponto Óptimo

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A cibercultura caminha para o ponto inimigo de toda a evolução: o Ponto Óptimo. As emergentes ferramentas de inteligência artificial baseiam-se em pontos óptimos em torno daquilo que a maior parte da humanidade escreveu e pensou, mas como diz Adrian Bejan, professor na Universidade de Duke nos EUA e pai da Teoria Construtal — «Ficar obcecado por uma ideia — um desenho, um ótimo, um máximo, um mínimo — é desistir do futuro da sua própria evolução enquanto espécime humano e máquina. Usar a liberdade que facilita o progresso é evoluir, renovar e sustentar a vida. O inimigo da evolução nunca mostra a sua face, porque a perfeição não faz parte da natureza.» — Se o Ponto Óptimo que preconiza a perfeição é inimigo da evolução, por que razão tantas coisas no mundo assentam em optimização? O Ponto Óptimo precisa de conversão.

Imagem criada pelo DALL-E com prompt de Miguel Panão

O que as ferramentas como o Bard, Bing ou ChatGPT fazem é serem os melhores correlacionadores de dados do mundo, não tanto os seus melhores colecionadores. Com a correlação, não importa a razão que gera o resultado, basta-nos a sua utilidade. O resultado poderá ser a perda gradual da nossa capacidade em encontrar explicações que nos ajudem a compreender o mundo. Em vez disso, fixamo-nos cada vez mais nos pontos óptimos que nos oferecem os melhores trajectos, os produtos mais baratos, os livros mais lidos e qualquer desvio torna-se inútil. Porém, sem a liberdade de descobrir novos trajectos, produtos diferentes ou livros que desafiem as nossas ideias, não evoluímos. No futuro será necessário que os pontos óptimos se convertam em Pontos de Referência.

Um Ponto de Referência não se sobressai relativamente aos pontos adjacentes, mas oferece-nos a liberdade de os escolher ainda que isso represente um pouco de imperfeição. A imperfeição parece ser um limite, mas quando reconhecemos como esses limites desafiam a nossa criatividade, manifesta-se na liberdade, um caminho novo em direcção à verdade. Lisa Fittipaldi é cega, mas pinta como ninguém. Phil Hansen treme ao desenhar, mas abraça o limite e deu vida a um novo modo de traçar. O limite em alguém que o ultrapassa criativamente, faz dessa pessoa um ponto longe do óptimo, mas próximo de um ponto de referência para quem está a aprender a lidar com os seus limites.

A transformação do pensamento de um ponto ótimo que limita a evolução, em favor de um ponto de referência que utiliza a liberdade nas imperfeições como um motor para a evolução pessoal, oferece várias vantagens para o desenvolvimento interior das pessoas.

Os Pontos de Referência promovem a resiliência e o crescimento pessoal. Esta mudança de perspectiva pela conversão dos pontos encoraja as pessoas a enfrentarem os desafios e as imperfeições não como falhas finais, mas como oportunidades para o crescimento e aprendizagem de algo novo. Se aceitarmos a inexistência de um estado “perfeito” ou final, desenvolvemos uma maior resiliência emocional e abertura para a evolução contínua do ser, levando a um desenvolvimento pessoal mais rico e diversificado.

Com os Pontos de Referência descobrimos o valor da caminho em detrimento do destino. Um ponto de referência é um porto seguro que acolhe a constante mudança que ocorre em si e ao seu redor. Quando as pessoas estão incentivadas a valorizar o processo e o caminho, em vez de apenas o resultado final, fomenta-se uma maior consciência e apreciação do momento presente, levando a uma vida mais plena. Esta valorização do percurso ajuda a diminuir a ansiedade associada à necessidade de atingir a perfeição, promovendo um estado de maior paz interior.

Os Pontos de Referência fomentam a criatividade e o aprofundamento da vida interior. Se abandonarmos a ideia de um ponto óptimo fixo, as pessoas sentir-se-ão mais livres para explorar diferentes facetas de si próprias, experimentando essa liberdade com novas ideias, comportamentos e formas de expressão em torno de pontos de referência que as impulsionam na direcção da compreensão da realidade e sentido da verdade. Esta liberdade pode desencadear uma criatividade maior e uma exploração mais profunda da própria identidade, sentimentos e pensamentos, contribuindo para uma experiência de vida interior mais autêntica.

O mundo terá sempre dificuldade em acolher a possibilidade de conversão dos pontos óptimos em referências porque a optimização de muitas coisas concretas produziu os menores tempos de recepção de uma encomenda, se sermos atendidos ao balcão, ou de receber aquela gratificação. Os Pontos de Referência não reduzem os tempos, mas oferecem pausas que nos ajudam a avaliar várias possibilidades e fazer a escolha com maior consciência da sua consequência.

A inteligência artificial poderá ser para nós, ocasionalmente, um ponto óptimo que produz resultados úteis, mas a inteligência humana evolui com pontos de referência onde até o que é inútil pode despertar novos caminhos na direcção da verdade que renova a vida interior. Para iniciar a conversão de um ponto óptimo a um ponto de referência, basta acolher que a incerteza, fonte de imperfeição, não é razão de tensão, mas abertura a um espaço de possibilidades, onde o que pensava ser, afinal, revela-se devir.


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