CIBERCULTURA – A beleza transformativa da multidão nas JMJ

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) estão a aproximar-se (no tempo), mas estejamos conscientes de que o evento é somente uma circunstância. E depois das JMJ? Como dar continuidade aos momentos vividos? É legítima a preocupação, mas dado o valor da circunstância, lembrei-me do “Pintor da Vida Moderna” de Charles Baudelaire onde logo no início dizia — «por muito que gostemos da beleza em geral, (…) iremos, contudo, cometer o erro de desconsiderar a beleza particular, a beleza da circunstância» — Pode ser uma circunstância, mas as JMJ são uma circunstância bela! Uma circunstância que nos ajuda a colocar o corpo, a mente e o coração no presente. Porém, sabemos que nem todos estarão presentes ou participarão activamente neste evento, mas todos somos chamados a ser o “Homem das Multidões” como o ilustrador Constantin Guys, o Monsieur G. descrito por Baudelaire.

Ilustração de Constantin Guys – “Na Rua”

Aquele que contempla a multidão de jovens e adultos que passearão pelas ruas de Lisboa, ainda que esteja sentado no café, é quase impossível evitar identificar o seu pensamento com o pensamento daqueles que se movem e passam por si. Isto é, mesmo que faça todo o esforço possível para se alienar da multidão, a curiosidade de entrar nela para sentir a vida que se move tornar-se-á irresistível. A congestão de pessoas atinge sempre um nervo naquele que as contempla e inspira a mergulhar no mar de gente, nem que seja pelo olhar atento como se nada mais existisse no mundo, descobrindo um outro tipo de vida.

Baudelaire diz que — «o amante da vida universal move-se no interior da multidão como se entrasse num enorme reservatório de electricidade. O amante da vida, pode ser, também, comparado a um espelho tão vasto quanto essa multidão; um caleidoscópio dotado de consciência, onde cada um dos seus movimentos apresenta um padrão da vida, em toda a sua multiplicidade e a graça fluente de todos os elementos que compõem a vida. É um ego sedento pelo não-ego, e refletindo-o a cada momento em energias mais vívidas do que a própria vida, sempre inconstante e fugaz.» O sinal claro da multidão que habitará as ruas de Lisboa é o sinal de vida. Por isso, cada pessoa será confrontada com a questão: és ou não um amante da vida? Pois, ao observar a vida, aprendemos o modo de a expressar com a originalidade inerente a cada um de nós.

A cibercultura , sobretudo depois da pandemia, levou muitas pessoas a estabilizar-se no sofá. Acompanham as multidões a partir do conforto da sua casa através da informação que lhes chega pelos píxeis de cores saturadas do ecrã de televisão, computador, tablet ou smartphone. Não é a mesma coisa. Poderiam dar um primeiro passo e praticar a Arte de Olhar à Janela, mas o mais comum é não lhes ocorrer tal coisa. Por outro lado, existem aqueles que zangados com a Igreja Católica procurarão criar multidões de contraponto com ideias contrastantes e apesar da intenção ser o despertar das consciências, espero que estejam dispostos a ver a sua próprio consciência despertar para outros mundos e possibilidades.

A nova evangelização que se espera acontecer com os jovens durante as JMJ poderá inverter-se e serem os jovens em multidão que converterão quem se atrever a fazer parte da multidão. Estas multidões impulsionadas pelo testemunho da sua fé proporcionarão à cidade uma experiência de modernidade.

«A modernidade é o transitório, o efémero, o contingente; é metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imóvel. (…) Não tens o direito de desprezar este elemento transitório e efémero, cujas metamorfoses são tão frequentes, nem podes prescindir dele.» (C. Baudelaire, The Painter of Modern Life)

A minha experiência durante as JMJ de Paris em 1997 foi a de trazermos a alegria própria da nossa idade para aquela cidade. Pelas ruas cantávamos e víamos outros cantar. O carácter transitório desta experiência poderia levar a questionar o seu valor. Nem todos possuem a mesma curiosidade do Monsieur G. e o talento para capturar a beleza do transitório, tornando-o eterno ao ilustrá-lo. A cada um que experienciar a vida que flui pelas multidões de participantes das JMJ, resta-lhe a oportunidade de desenhar na sua mente e coração aqueles momentos. Todos serão tentados a usar os ecrãs, e muito cederão a essa tentação cibercultural, mas talvez haja espaço para tudo o que é efémero (como uma foto digital) e tudo o que é eterno (como a experiência de Jesus no meio da multidão).

As metamorfoses frequentes que acontecerão durante as jornadas poderão tornar-se momentos imprescindíveis de profundidade transformativa. Ninguém ficará imune à manifestação da fé de uma multidão, se se abrir à possibilidade de uma experiência física concreta de que a vida em Deus faz todo o sentido quando o caminho é comunitário. Durante as JMJ teremos a oportunidade de experimentar aquele provérbio africano — «Se queres ir rápido, vai sozinho. Se queres ir longe, vai em grupo.» Uma experiência da beleza transformativa da multidão como oportunidade de equilibrar a vida com a ciber-vida.


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