Carlos Drummond de Andrade: um coração que não cabe no mundo

Ricardo Formigo, Patriarcado de Lisboa

Aos meus alunos de literatura digo, com frequência, que houve um momento da História em que a Humanidade descobriu que o mundo era maior do que as margens do mar Mediterrâneo. O período dos Descobrimentos foi uma altura paradoxal na História da Humanidade: por um lado o Homem descobre que o mundo é muito maior do que pensava (muito mais tarde, veio a descobrir que o Universo é infinito), logo, a consequência lógica da descoberta da imensidão do mundo seria a tomada de consciência de que, num mundo tão grande, o Homem afinal é mais pequeno e mais insignificante do que inicialmente se pensava. No entanto, também desta vez o  mais expectável não aconteceu. Diante de um mundo infinito, o coração do Homem dilatou-se: começou o Renascimento; na Arte, o Homem fez coisas que nunca antes tinha feito, o artista ganhou um novo estatuto na sociedade. Foi a era de Miguel Ângelo, da Pietà e de David; foi a era de Camões e d’ Os Lusíadas e foi a era que permitiu que a fé cristã e a cultura ocidental chegassem a todo o mundo (que era muito maior do que inicialmente se conhecia), numa altura em que a Igreja na Europa estava em cacos, com a Reforma Protestante em ascensão.

No entanto, Portugal nos Descobrimentos não deu apenas, como diria Camões, “novos mundos ao mundo”[1], mas também deu novos poetas ao mundo… e novos mundos à poesia. No Brasil modernista, incontornáveis são os versos de Carlos Drummond de Andrade, um poeta que se entreteu a juntar os fragmentos da sua fragilidade humana, muitas vezes repetitivos e aparentemente vazios de significado. Parece absurdo que o autor de “No meio do caminho tinha uma pedra”, um poema que parece dizer pouca coisa, tenha escrito outros poemas cujas dimensões de significado não caibam no mundo.

Carlos Drummond de Andrade é, ele próprio, um fruto dos Descobrimentos que fizeram com que a língua portuguesa chegasse ao Brasil e fundisse uma cultura europeia com um lado exótico e cheio de variedade como os primeiros colonos se aperceberam ao desembarcarem na Terra de Vera Cruz.

A sexta estrofe do “Poema de Sete Faces” é particularmente significativa:

Mundo mundo vasto mundo

Mais vasto é o meu coração

Portanto, o mundo é um lugar vasto (tal como os Descobrimentos o demonstraram), mas o coração do poeta consegue ser um lugar ainda maior.

Num outro poema, publicado dez anos depois no livro Sentimento do mundo, Drummond afirma perentoriamente que:

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.

Uma vez que o coração do poeta não é capaz de albergar as próprias dores, então deve ser menor do que o mundo. Quão pequeno é então o coração do poeta?

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo. O mundo é grande.

Nestas várias escalas de grandeza de que o poeta faz uso, apenas avalia o tamanho objetivo do coração e do mundo. Porém, as experiências de beleza também podem fazer dilatar o coração e um olhar atento revela que há mais mundo no mundo do que o mundo que à primeira vista parecia existir. Diz-nos o poeta na última estrofe:

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
–– Ó vida futura! nós te criaremos.

Se o mundo é grande, o coração do poeta cabe no mundo? Qual dos dois é maior? No poema “Caso do Vestido”, Drummond afirma que:

O mundo é grande e pequeno

O tamanho do mundo é o tamanho do coração do poeta, pois é através deste que o mundo ganha significado e os acontecimentos se tornam épicos. O épico da poesia não reside somente nas viagens marítimas ou grandes empreitadas. O épico da poesia não é descrever o que contém o mundo, mas sim o que acontece no coração do Homem. O mundo está à espera do coração do poeta e o coração do poeta à espera do mundo.

 

[1] Luís de Camões, Os Lusíadas, II, 45

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