«Cabaz de Conversas»: «Entre o Menino Jesus e o menino Rui, eu sabia quem era mais importante» – D. Rui Valério (c/vídeo)

Bispo das Forças Armadas e de Segurança recorda tradições desta quadra e como o dia do seu nascimento, a 24 de dezembro, marcou o seu percurso

Lisboa, 26 dez 2020 (Ecclesia) – O bispo das Forças Armadas e de Segurança afirmou ser impossível dissociar o seu aniversário, a 24 de dezembro, da celebração do Natal, mas referiu que, desde a primeira hora, sempre soube quem era mais importante.

“A minha avó Ester, transmontana, fazia muita questão de que, entre o Menino Jesus e o Rui, Jesus tinha a prevalência absoluta e total. Por vezes a celebração do meu aniversário era remetida para segundo plano, face à celebração natalícia em curso”, lembra à Agência ECCLESIA, D. Rui Valério, que nasceu a 24 de dezembro.

A certeza de que o central nesse dia era o “nascimento de Jesus”, acompanhou-o durante o seu crescimento, marcado por uma “educação e percurso” cristãos.

“As celebrações natalícias eram muito festivas; no entanto o aspeto do aniversário era celebrado, mas nunca de forma a que fosse esquecido que a celebração principal era a celebração do Menino Jesus”, lembra.

Marcado por vivências em Urgueira, Ourém, na Diocese de Leiria-Fátima, mas também em Larinho, em Moncorvo, na Diocese de Bragança-Miranda, as tradições de Natal dividem-se pelos dois locais, acompanhadas pelo sabor das filhós.

“As de Ourém eram filhós parecidas com um bolo e mais densas; na parte transmontana eram espalmadas e mais finas. Ambas tinham açúcar e canela. A minha avó Ester aproveitava essa ocasião para fazer alheiras, mas à transmontana, muito diferentes das atuais, feitas segundo a mais rigorosa tradição de séculos”, explica.

Era ainda tradição levar esta iguaria a algumas pessoas, no que hoje entende como um ato de “solidariedade”.

Para as crianças era tão natural. Hoje percebemos que era a maneira de viver a partilha, de que todos fizessem festa e a todos levar um pouco de calor. E esta quentura acontecia tanto nos que recebiam como nos que davam”.

D. Rui Valério cresceu com a certeza, pela vivência familiar, que o mais importante nesta quadra, quer em Ourém como em Trás-os-Montes, era a celebração do Menino Jesus.

“Ele é que estava no centro. O que a minha infância tem de memória em relação ao Natal, tudo era secundarizado face à Missa do Galo. Era a razão de ser do Natal. O sapatinho colocado à lareira era para receber a prenda do Menino Jesus”, explica.

O responsável pelo Ordinariato Castrense recorda uma bicicleta que recebeu: “O que me intrigou foi como me apareceu. Eu tinha-a pedido, mas não tinha dito nada a ninguém, por isso para mim, na altura, tinha sido mesmo o Menino Jesus a oferecer”.

A tradição do Madeiro, um tronco que se acendia na noite e deveria durar até ao Ano Novo, marca também a vivência do Natal, a que hoje, o responsável, atribui um significado espiritual.

Inverno, fazia frio, a Missa era de noite… mas agora, anos depois, percebemos que o Madeiro tem outro alcance, que é profundo. O madeiro é para dar luz e calor, tal como o nascimento de Jesus. Criava-se uma comunidade à volta e era necessária vigilância e atenção para o manter acesso”.

D. Rui Valério em São Tomé e Príncipe
Foto Ordinariato Castrense Diocese das Forças Armadas e de Segurança (facebook)

Nos anos 1991 e 1992, já ordenado padre na congregação dos Missionários Monfortinos, e capelão militar na Marinha Portuguesa, o então padre guarda uma noite de Natal como a de uma celebração acontecida interiormente.

“Foi onde compreendemos que o que se celebra não é em primeiro lugar um facto empírico-físico, mas a celebração acontece dentro de nós. Naquela noite quando estava junto a um doente acamado, foi, interiormente, uma grande celebração. O Natal deixou de seu a celebração com muita exteriorização, mas ali foi vivido com recolhimento e interioridade”, conta.

Outra recordação natalícia, já como capelão da Escola Naval, mostrou-lhe o quanto, “na noite de Natal, todas estamos em pé de igualdade”.

“O que havia nesse jantar que não havia em mais nenhum dia no ano: numa instituição militar, com uma hierarquia e no centro da mesa está sempre o mais graduado, mas naquela noite as pessoas sentavam-se com uma liberdade que não havia em outras noites. É um pequeno nada, mas muito importante, porque hoje todo o seu humano é frágil e pequeno à imagem da manjedoura de Belém”, recorda.

Há um ano, já como bispo das Forças Armadas e de Segurança, D. Rui Valério esteve na Republica Centro-Africana, para estar com as Forças Destacadas, onde teve ocasião de se encontrar com o arcebispo de Bangui, cardeal Dieudonné Nzapalainga, recorda uma “prenda de Natal recebida”.

“O mais importante que me disse foi a possibilidade de, através da presença das Forças Armadas e de Segurança portuguesas naquele país, levar as crianças novamente para a escola. Isto para mim foi das melhores prendas de Natal que recebi como bispo. Saber que os nossos militares estão a garantir a segurança e defesa do presente, mas a garantir que as crianças possam regressar à escola, começar a construir o futuro”, conta.

É com admiração que louva a “total dedicação” de qualquer elemento das forças militares e de segurança.

“Quando um militar faz o seu juramento, pronunciam uma frase que, acredito que não há um militar que não trema, «Até ao derramamento do próprio sangue se necessário for». O militar é aquele que adormece e acorda com a palavra «presente». São dos pilares da vida da nossa nação. São convocados para tanto e quase que para tudo. Isso é belo e gratificante”, finaliza.

O ‘Cabaz de Conversas’ quis, ao longo do Advento, percorrer as dioceses portuguesas, procurando as tradições e a vivência de Natal em tempo de pandemia e, simultaneamente, congregar a solidariedade reunida num cabaz que entregou às Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário que acompanham muitas famílias, no bairro 6 de Maio, na periferia de Lisboa.

LS

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