Beja: Homilia de D. João Marcos no Domingo de Páscoa

Reverendos padres e diáconos, caros seminaristas, religiosos e religiosas, fiéis leigos e leigas:

1 – Hoje é o terceiro dia depois da morte de Jesus. Neste dia, logo de manhãzinha, os apóstolos Pedro e João foram surpreendidos pela notícia trazida por Maria Madalena de que o Corpo de Cristo Senhor não estava no sepulcro. Ela tinha ido lá e encontrado o sepulcro aberto, sem o corpo de Jesus. Correu a comunicar a Pedro e a João o que tinha visto. Eles, por sua vez, correram também até o sepulcro, e encontraram tudo como ela tinha dito. Mas a Ele, não O viram.

De João, porém, encontramos esta nota: viu e acreditou. No evangelho de S. João, a palavra “ver” é sinónimo de “acreditar”. João viu o mesmo que Pedro, mas, ajudado pelas palavras com que Jesus lhes tinha anunciado diversas vezes a Sua morte e a Sua Ressurreição, palavras que nenhum deles entendeu, mas que João, apesar disso, tinha guardado, viu e acreditou. João viu e acreditou. Felizes dos que acreditam sem terem visto. Felizes de vós, caríssimos irmãos e irmãs, porque acreditais em Cristo Ressuscitado sem o terdes visto.  

2 – É verdade, irmãos e irmãs: a fé na ressurreição começa por ser o testemunho de um anúncio que vai passando de pessoa a pessoa. Não estava o Corpo do Senhor onde o tinham deixado, a pedra que fechava o túmulo estava removida, mas, ao fim do dia, o próprio Senhor Jesus apareceu aos discípulos e a Pedro. Era Ele mesmo, trazia as marcas dos cravos e da lança, deixou-Se tocar por eles, comeu com eles e mandou-os partir para a Galileia onde o terreno estava preparado para o começo da pregação. E chegou até nós, pela pregação dos apóstolos, esse anúncio que suscita a fé, anúncio que também nós, portugueses, levámos pelo mundo fora. O Senhor ressuscitou verdadeiramente!

Este acontecimento é, como sabemos, a base, o alicerce do edifício que é a vida cristã. A fé cristã começa com o escutar deste anúncio, mas cresce e amadurece com a experiência, com o encontro pessoal com o Senhor.  Como diz o salmo: “como nos contaram, assim o vimos”. Este testemunho edifica a Igreja. Esta é a notícia que todo o ser humano mais deseja escutar, pois o medo de morrer é usado pelo maligno para nos manter escravizados (Hb. 2,15). A vitória de Cristo sobre a morte e o perdão dos pecados são-nos oferecidos por Cristo quando acreditamos n’Ele e na Sua promessa: “Eu estarei convosco todos os dias até ao fim dos tempos”.

3 – No entanto, é normal que surjam perguntas, muitas perguntas acerca deste acontecimento: Se continuamos a morrer, onde está essa vitória? Não passarão de um autoconvencimento a fé na ressurreição de Jesus e o perdão dos pecados? Como poderemos nós acreditar que um dia ressuscitaremos com Jesus Cristo, se experimentamos como a carne que somos apodrece e se degrada tão rapidamente? No Credo que, como católicos, professamos, não nos ensinaram a dizer: espero a ressurreição da carne e a vida do mundo que há-de vir? Que significam essas palavras?

E poderíamos continuar a fazer mais perguntas como estas. Mas a fé, para nós cristãos, não é fruto de congeminações intelectuais, é a adesão sem reservas à pessoa de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida para todos aqueles que O seguem como Discípulos ao Mestre, pondo os pés nas Suas pegadas. E o resultado manifesta-se na liberdade com que vivemos o nosso dia-a-dia, e na caridade com que amamos os nossos irmãos, na alegria de sermos filhos adotivos de Deus, em vez de ficarmos fechados em nós próprios, no nosso egoísmo, nos nossos direitos…quando nos contentamos com os dez por cento do conhecimento que conseguimos com a razão e desprezamos os 90 por centro do conhecimento simbólico da fé. As palavras e a experiência de São Paulo mostram-nos como a abertura a esta vivência da fé em Cristo Ressuscitado nos liberta da vida egoísta, do viver cada qual para si mesmo, e nos conduz à Vida Comunitária, em que se reproduzem em nós, os relacionamentos das três pessoas divinas: “Cristo morreu e ressuscitou para que cada um de nós deixe de viver para si mesmo, e viva para Ele que por nós morreu e ressuscitou”, escreveu o Apóstolo S. Paulo.

4 – Ouvimos há momentos, no brevíssimo texto da carta aos Colossenses, os enormes conselhos do apóstolo São Paulo: “se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto, não às da terra, porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória”.

Queridos irmãos e irmãs: Somos cristãos. Porque acreditamos em Cristo Jesus nosso Senhor unimos as nossas vidas à Sua. Pelo Batismo já morremos sacramentalmente para o pecado: “Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. Esta “Vida escondida com Cristo em Deus” precisamos de aprender a vivê-la. Trata-se, antes de mais, de nos afeiçoarmos a ela e às coisas do Alto, às coisas de Deus, à Fé, à Esperança e à Caridade, às três virtudes teologais, aos dons e aos frutos do Espírito Santo, às obras de misericórdia e a todas as realidades espirituais, sem deixarmos espaços vazios nos quais a nossa afeição se possa prender às coisas da terra. Trata-se de vivermos em Páscoa permanente, como quem está no mundo, mas não é do mundo.

É vivermos pela justiça d’Ele, justiça que nos vem pela fé. Ele salva-nos pela Sua justiça, e não pela nossa, que nada vale. A Sua morte tem a ver connosco e connosco tem a ver também a Sua Ressurreição.

5 – Neste Domingo de Páscoa, caríssimos irmãos, afirmemos a nossa união a Cristo Jesus. A nossa fé n’Ele não serve para fazer de nós super-homens ou supermulheres alheados da nossa condição humana. Pela nossa fé n’Ele aprendemos a ser homens e mulheres profundamente humanos. Isso nos será concedido pela graça de sermos filhos adotivos de Deus Pai.

Façamos Páscoa! Anunciemos com palavras e obras aos nossos contemporâneos, sobretudo àqueles que reconhecemos como mais próximos de nós, a ressurreição do Senhor.

Vivamos a vida que o Senhor nos concede como quem está aqui de passagem. Não temos aqui cidade permanente, não somos daqui. Um dia, encontrando-nos face a face com Jesus Ressuscitado, com Ele passaremos deste mundo para o Pai.

+ J. Marcos, administrador apostólico de Beja

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