Beja: Homilia de D. João Marcos na Sexta-feira Santa

1 – Toda a nossa glória está na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. N’Ele está a nossa Salvação, Vida e Ressurreição. Por Ele fomos salvos e livres.

Com estas palavras inspiradas na Carta de São Paulo aos Gálatas, iniciámos ontem à tarde, caríssimos irmãos e irmãs, a celebração da Páscoa deste ano. Estas palavras situam-nos perante a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Nela resplandece para nós a luz que ilumina as trevas em que, tantas vezes, vivemos. Ela é a chave que abre as portas do mistério das nossas vidas. Ela é o jugo suave que o Senhor nos convida a carregar, atrás d’Ele, como discípulos que seguem o seu Mestre. Onde está a nossa Glória? Na beleza? No dinheiro? No trabalho? No desporto? Nas artes? No êxito? Na política? Na família? Todas estas coisas são boas, mas não podemos pedir-lhes aquilo que só Deus nos pode dar. Aquilo que Deus nos deu na Cruz do seu Filho Jesus, o perdão dos nossos pecados, a possibilidade de amarmos a Deus com todo o coração, e ao próximo como a nós mesmos, a libertação da maldição, fruto das nossas faltas, para nos tornarmos herdeiros da Bênção do Reino dos Céus… Tudo isso, toda a nossa Glória está na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo!

2 – Como sabeis, a morte na Cruz foi inventada pelos romanos, para castigar os malfeitores dos povos que eles dominavam. Um cidadão romano não podia ser crucificado, por grande que fosse o crime por ele cometido. A Cruz era, não apenas o instrumento mais horrível pelo sofrimento físico que provocava, mas também, do ponto de vista moral, era o símbolo da vergonha maior. Para nós, cristãos, a Cruz de Jesus é a fonte de todas as bênçãos, o sinal de todas as benfeitorias com que Deus Pai cumula os Seus filhos adotivos. Hoje, nesta celebração, iremos beijar a Cruz do Senhor como o tesouro mais precioso das nossas vidas.

A primeira leitura que escutámos, o quarto cântico do Servo de Javé do livro do profeta Isaías, convida-nos a contemplar o Servo de Deus, Jesus Cristo Seu Filho, esmagado pelo Sofrimento, desprovido de beleza, com o seu rosto desfigurado, sem distinção nem beleza para atrair o nosso olhar, nem aspeto agradável que possa cativar-nos. Desprezado e repelido pelos homens, homem de dores, acostumado ao sofrimento, era como aquele de quem se desvia o rosto, pessoa desprezível e sem valor para nós. Ele, suportou as nossas enfermidades e tomou sobre si as nossas dores, mas nós víamos n’Ele um homem castigado, ferido por Deus e humilhado. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das nossas iniquidades. Caiu sobre Ele o castigo que nos salva. Pelas Suas chagas fomos curados.

Hoje, dois mil e seiscentos anos depois de terem sido escritas, e dois mil anos depois de se terem cumprido em nosso Senhor Jesus Cristo, estas palavras continuam atuais. Cristo, o Inocente, cheio de amor por todos nós, ofereceu a sua vida como sacrifício de expiação, carregou com os nossos pecados e intercedeu pelos pecadores.

3 – Quando Jesus expulsava os demónios na Galileia, estes gritavam: “Que tens tu a ver connosco, Filho de Davi? Eu sei quem tu és! O Santo de Deus!” Hoje muitos cristãos batizados, mas que não participam na liturgia da Igreja, repetem, com as suas atitudes o mesmo grito dos demónios. “Que tem Jesus a ver comigo?”

Que tem Jesus a ver contigo? Não há outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos. Para sermos salvos precisamos de invocar o Seu nome. Para invocar o Seu nome precisamos de acreditar n’Ele. Para acreditarmos n’Ele, precisamos de ouvir o Anúncio, o Kerigma da Sua Morte e Ressurreição feito pelos pregadores, pelos enviados a pregar. De facto, como diz São Paulo, a fé nasce da pregação da Palavra de Cristo.

A nossa relação com o Senhor Jesus Cristo só pode ser de discipulado. Lembremos hoje, caríssimos irmãos, o primeiro diálogo de Jesus com os seus primeiros discípulos:

– Que procurais?

– Mestre, onde moras?

– Vinde e vede!

 Eles foram e viram onde Jesus morava, e permaneceram com Ele naquele dia. Era por volta das quatro horas da tarde. (…) E, mais adiante, Jesus faz-lhes esta promessa:

Vereis o Céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem.

Ao morrer no Calvário, como escutámos há pouco, vimos como Jesus cumpriu, nos últimos momentos da sua vida terrena, quando chegou a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, aquilo que no seu primeiro sinal prometeu nas bodas de Caná, quando mudou a água em vinho. No Calvário, Jesus realizou o Seu Casamento Místico com a Igreja Sua esposa. Ali Ele bebeu, não o vinho delicioso de Caná, mas o vinagre dos nossos pecados. No Calvário o Senhor tratou por “mulher” a sua Mãe, Maria, tal como fizera nas bodas de Caná. A iconografia cristã apresenta Cristo – esposo quando, fisicamente morto, é colocado no túmulo. Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos.

Jesus é a fonte do amor que nos salva, é o esposo da nossa alma, o Amado que por nós entregou a Sua vida nas mãos do Pai. Ele comprou-nos com o Seu Sangue. Somos d’Ele, para Ele vivemos, com Ele regressamos ao Pai, com Ele trabalhamos neste mundo realizando a Sua missão, anunciando a salvação por Ele realizada em favor de todos nós. Que tem Jesus a ver connosco? Que temos nós a ver com Ele?  Que relacionamento tens com o Senhor?

4 –Quando, dentro de momentos, te colocares perante a Sua Cruz para O adorares, podes perguntar-lhe isso mesmo. Repara, caro irmão, cara irmã, no amor que Ele te dedica, na ternura com que Ele tem envolvido a tua existência e pede-lhe a abundância dos dons do Seu Espírito para corresponderes ao Seu amor o melhor que te for possível. Com o Seu Espírito podes verdadeiramente amar o que Ele ama, detestar o que Ele detesta, podes fazer, com Ele, a vontade do Pai e alimentares-te, em cada dia, com esse Pão vivo descido do Céu.

5 – Adorar a Cruz do Senhor, deslumbrados pelo amor ardente do Seu coração, é a maneira de progredirmos neste relacionamento esponsal que nos leva a pedir o Seu Corpo, tal como José de Arimateia O pediu a Pilatos.

Adorar o Senhor crucificado por nosso amor leva-nos a ouvir as suas palavras por meio das quais nos confia como filhos à Sua Mãe.

Eis a tua Mãe!

Adorar o Senhor morto na Cruz é contemplar a sua entrada no Céu como Sumo Sacerdote da Nova Aliança colocado à direita do Pai para interceder eternamente por nós; é também estarmos nas fontes da salvação e vermos o Seu coração aberto pela lança e jorrando sangue e água, símbolos da Eucaristia e do Batismo, os dois sacramentos que edificam e alimentam a Igreja, nova Eva, saída do lado do novo Adão adormecido na Cruz.

Vamos irmãos, aproximemo-nos cheios de confiança do trono da Graça, que é a Cruz, para alcançarmos misericórdia e podermos seguir o Senhor em cada dia da nossa vida.

                                              +J. Marcos, administrador apostólico de Beja

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