A grande catedral está a desmoronar-se

D. Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco

Fotos: Agência ECCLESIA

Sem medidas urgentes, a catástrofe está iminente. Os utentes, sobejamente inteirados da situação, estão mais interessados no deixa correr do que em mantê-la de pé. Alguns ainda não entenderam que, de facto, sem ela não podem viver! Embora já todos tenham diagnosticado as causas da possível derrocada, no entanto, os mais responsáveis, mesmo esticando bem os olhos, não querem ver, fingem não entender, desmascaram o problema, desvalorizam os sintomas. Espionam uma vez, outra vez e mais outra vez, como convém. Reúnem-se, fazem discursos inflamados em prol da mesma, assumem propósitos de intervenção urgente, mas ficam-se nas tintas, não metem as mãos à obra, com coragem e determinação. De quando em vez, lá mexem para dizer que estão vivos e atentos. Perante as circunstâncias e os mecanismos do mundo atual, ninguém ignora que a intervenção é dolorosa, complexa e hercúlea e não acontecerá tão rápida quanto todos desejaríamos. Mas todos sabemos também que tal empreitada assusta muita gente, sobretudo porque mexe com o mundo e o submundo das suas carteiras. Esse é o maior problema!

A esta Catedral ninguém vai, não é preciso ir, mas, mesmo assim, qualquer um, ou todos, podem apanhar com ela encima. E não é preciso lá ir porque todos estamos dentro, desde o primeiro momento da nossa existência: é a «grande catedral da criação», a Natureza! É possível, isso sim, que a usufruamos sem qualquer atitude de gratidão para com o seu Criador e com total falta de respeito para com ela por tudo quanto nos oferece e garante. O dia 1 de setembro é o ‘Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação’, dando assim início ao Tempo ecuménico da Criação, o qual termina a 4 de outubro, dia litúrgico de São Francisco de Assis e abertura do Sínodo sobre a Sinodalidade.

Altamente confortável, sugiro ao leitor que, em momentos mais propícios e ao longo deste mês, à noite ou de dia, procure uma pedra que lhe sirva de sofá, ou a sombra de um chaparro que até lhe pode servir de encosto. Olhe as árvores que apontam o céu, escute o murmúrio dos ventos e a sinfonia da passarada, olhe o sol ou a lua e as estrelas e tudo o mais que o rodeia. Envolvido por esse silêncio, sinta-se amorosamente acolhido, reze como sabe, contemple como sabe e agradeça como sabe esta obra sem igual, fruto do Amor de Deus POR SI e construída PARA SI, sem o direito de a dominar e destruir, mas com o dever de a amar e cuidar.

Para acelerar as mudanças necessárias, a ONU convidou-nos, em março, a celebrarmos o Dia Mundial da Água, com o objetivo de consciencializar a população global sobre a relevância da preservação dos recursos hídricos para a sobrevivência dos ecossistemas do planeta. Em junho passado, fomos convidados a celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente, tendo como tema ‘soluções para a poluição plástica”, estimando-se que entre 19 a 23 milhões de toneladas de plástico acabam em lagos, rios e mares, tornando-se uma das mais graves ameaças para o planeta.

Tomando como mote para a sua mensagem um versículo do profeta Amós (5,24) Francisco apela a que cada um procure ser justo em todas as situações, se esforce por viver segundo as regras do jogo, para que a vida floresça plenamente. E acrescenta, “O consumismo voraz, alimentado por corações egoístas, está a transtornar o ciclo da água do planeta. O uso desenfreado de combustíveis fósseis e a destruição das florestas estão a criar uma subida das temperaturas e a provocar secas graves. Terríveis carências hídricas estão a afligir cada vez mais as nossas casas, desde as pequenas comunidades rurais até às grandes cidades. Além disso, indústrias predatórias estão a esgotar e poluir as nossas fontes de água potável com atividades extremas, como o fraturamento hidráulico para a extração de petróleo e gás, os megaprojetos de extração descontrolada e a engorda acelerada de animais. Apropriam-se da «irmã água» – como lhe chama São Francisco -, transformando-a em «mercadoria sujeita às leis do mercado» (Lsi’30).

Francisco sugere-nos três pistas de conversão ecológica: a transformação dos corações, dos estilos de vida e das políticas públicas. Isto realizar-se-á praticando “o respeito ecológico para com Deus, para com os nossos semelhantes de hoje e de amanhã, para com toda a natureza e para connosco próprios”; adotando “estilos de vida de menor desperdício e de menos consumos inúteis, fazer um uso mais moderado dos recursos, separar e reciclar o lixo e recorrer a produtos e serviços que sejam ecológica e socialmente responsáveis”; transformando as políticas públicas de forma a que não favoreçam “riquezas escandalosas para poucos e condições degradantes para tantos”. A ‘dívida ecológica’, reclama “ouvir a ciência e começar uma transição rápida e equitativa para acabar com a era dos combustíveis fósseis”, não permitindo “a exploração e expansão contínua das infraestruturas para os combustíveis fósseis”, uma “injustiça para com os pobres e os nossos filhos, que sofrerão os impactos piores da mudança climática”.

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