A cruz escondida

Paquistão vive onda de sequestros e conversões forçadas de jovens cristãs

Crime sem castigo

Shafilla tinha 14 anos quando foi raptada por familiares muçulmanos. Não toleravam que ela fosse cristã. Quiseram castigá-la. Violada vezes sem conta, esteve em cativeiro durante meses e foi forçada a converter-se ao Islão. Shafilla só foi libertada, a troco do pagamento de um resgate, porque a sua saúde revelava-se a cada dia mais frágil. Revelando enorme coragem, esta jovem aceitou contar a sua história à Fundação AIS.

É apenas uma rapariga. Quando passa na rua, ninguém repara na tristeza do seu olhar. Shafilla Qashim esconde-se do mundo e às vezes esconde-se até de si própria. É difícil fugir da memória que nos persegue como uma sombra, que nos sobressalta. Shafilla tinha apenas 14 anos quando foi raptada por familiares. No seu caso, nem a família foi um porto de abrigo. Praticamente todos muçulmanos, não toleravam que ela fosse cristã. Foi raptada com um ódio indisfarçado. Com desdém. Quiseram castigá-la como se houvesse algum crime por ser cristã. A história de Shafilla, infelizmente, é vulgar no Paquistão. Há dias, o Arcebispo de Lahore alertou, em mensagem enviada para a Fundação AIS, para a existência de uma onda de sequestros e conversões forçadas de raparigas cristãs menores de idade. Para D. Sebastian Shaw, esta situação “é um crime”. É um crime sem castigo. Não há estatísticas, não se sabe ao certo quantas raparigas cristãs e hindus já foram sequestradas, já foram violadas e forçadas a casar convertendo-se ao Islão. É um tema quase tabu. Não se fala dele porque envergonha. D. Sebastian Shaw denunciou esta situação à Fundação AIS por causa de investigações que estão a decorrer na província do Punjab e que apontam para a existência de cerca de sete centenas de jovens sequestradas. “O sequestro é um crime, diz com veemência D. Sebastian. “Tem que ser tratado como tal. Essa é a única maneira de acabar com esta realidade.”

 

Palavras em lágrimas

Nada poderá pagar os dias longos, as semanas intermináveis em que Shafilla esteve em cativeiro. As suas palavras, agora, sempre que descreve o que lhe aconteceu, são uma denúncia e estão cheias de lágrimas. Já ninguém poderá apagar da sua memória o sofrimento por que passou. “Eles magoavam-me e batiam-me muito. Mantiveram-me presa numa casa e depois noutra. Quando me recusei a aceitar o Islão, batiam-me, dizendo: ‘Converte-te; nós somos muçulmanos e temos de te converter ao Islão’. Batiam-me, levavam-me até à mesquita para ter aulas…” O seu sofrimento só terminou porque adoeceu. Antes de ser entregue de novo à família, como quem devolve um artigo estragado, que deixou de servir, ainda tentaram negociar a jovem como quem troca um produto no mercado. E conseguiram. “Depois, à minha frente, o meu tio ligou aos meus pais e disse: ‘Dá-nos 500 mil rupias e nós devolvemos-te a tua filha’.” Receberam o dinheiro e devolveram o artigo usado. A sobrinha. Shafilla nunca mais irá voltar a ser a mesma rapariga. A sua juventude ficou destroçada naqueles meses em que esteve em cativeiro. Foi agredida, maltratada, violada. Foi negociada como uma coisa. Para os captores, ela não tinha valor. Era cristã. Apenas isso. Não se sabe quantas raparigas se suicidam por ano no Paquistão por causa de histórias como a de Shafilla. São vistas na sociedade paquistanesa como “mortes de honra”. São crimes que ficam por cumprir. São crimes sem castigo.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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