A cruz escondida

Ajudar a Igreja na Ucrânia, um compromisso para esta Quaresma

“A guerra roubou-nos a felicidade”

A vida do Pe. Andriy mudou com a guerra na Ucrânia. Tal como a de todas as pessoas. Mas este simpático sacerdote, ainda jovem, ajuda agora pessoas traumatizadas, pessoas feridas espiritualmente, pessoas que não conseguem lidar com o ambiente de stress, de violência, perante a iminência de um ataque, de um bombardeamento, perante o medo do sofrimento e da morte. Como é o caso de Nina…

Nina passa os dias à janela do seu apartamento em Kyiv. Ou a olhar lá para fora. Da sua janela, Nina Zahorodnia só consegue ver prédios enormes, iguais àquele onde vive, torres de betão onde moram também pessoas assustadas, pessoas que facilmente sucumbem às lágrimas. Desde que começou a guerra, desde que começou a invasão da Ucrânia pelas tropas russas, em Fevereiro de 2022, que é assim. Nina só pensa no pior, nos bombardeamentos, na destruição, nas pessoas feridas, nos mortos. É difícil libertar-se dessa armadilha. Ela veio de Kherson, onde ainda está quase toda a sua família. Quando está à janela de sua casa, Nina olha em volta mas o seu pensamento está normalmente em Kherson, está ao lado dos seus, está preocupada com eles. “Kherson é um lugar muito assustador”, explica esta mulher já de meia-idade à Fundação AIS. “Todos os dias há mísseis a sobrevoar a região”, diz. Nina não consegue deixar de pensar na sua família que estando longe pode estar, a qualquer momento, a ser atingida por um míssil, por um dos muitos bombardeamentos russos àquela região. Só de pensar nisso, ela fica doente. E chora. Quando conversou com a Fundação AIS, as palavras tremeram-lhe quando se referiu aos seus pais. “Na minha casa ficaram muitos membros da minha família. A minha mãe e o meu pai. Sinto-me muito triste sem eles…”

O medo da guerra

O Pe. Andriy Bodnaruk conhece bem Nina Zahorodnia. Ela é, no entanto, apenas uma das muitas pessoas que procura socorrer nestes dias de inferno de guerra em que a Ucrânia está mergulhada. Sempre que pode, o Pe. Andriy vai ao bairro de Nina, entra no seu prédio, chama o elevador e bate-lhe à porta. Às vezes não é preciso dizer nada. A presença basta. Reconforta.  “As pessoas traumatizadas vivem em tensão”, explica. É o caso de Nina e será, quase por certo, o que se passa com todas as pessoas que vivem em Kyiv, que vivem em Kherson, que vivem em todas as cidades ucranianas. Mesmo os que não o aparentam, estão assustados por causa da guerra. Até podem passar muitos dias, semanas inteiras sem se escutar um único tiro, sem se ouvir o rebentamento de uma bomba, o silvo de um míssil a cair do céu, mas isso pouco importa. Quando menos se espera, a guerra pode regressar com todo o seu pavor e ninguém consegue ficar indiferente a isso. É um medo que pode paralisar. Que destrói. “Esta guerra roubou-nos a felicidade, a alegria simples das pessoas. É por isso que a Igreja está à procura de modelos diferentes para ensinar aos padres como comunicar, como falar, como curar estas feridas”, explica o sacerdote à Fundação AIS.

Um padre incansável

A guerra não parece, no entanto, assustar o Pe. Andriy. Todos os dias, desde Fevereiro de 2022, quando começou a invasão, que ele tem assumido o seu papel de sacerdote durante todas as horas do dia, todos os dias da semana. É um padre incansável procurando ser útil, procurando estar presente junto dos que mais precisam de ajuda, dos que mais precisam de um ombro amigo, de uma palavra de conforto. O seu rosto é cada vez mais conhecido em Kyiv, a capital ucraniana. Ao longo destes dois anos de guerra, Pe. Andriy Bodnaruk tem visitado pessoas, famílias inteiras nas suas casas, mas também soldados que estão longe, em postos de controle, por exemplo. Tem celebrado Missas em abrigos, até no metro, e tem organizado actividades para distrair as crianças do ambiente de guerra. Não é raro vê-lo a usar por cima da sua batina negra, que o identifica como padre, um colete à prova de bala. É assim, quase parecendo um soldado, que tem visitado as pessoas que estão nos abrigos antiaéreos e é com ou sem o colete à prova de bala que visita os seus paroquianos, que lhes leva a comunhão e também alimentos e produtos básicos para a sobrevivência do dia-a-dia. Produtos que são, tantas vezes, adquiridos por ele através dos fundos recebidos da Fundação AIS.

Ajudar os feridos no espírito

Esta é uma guerra total, que não deixa ninguém de fora, nenhum sector da sociedade. Nem sequer a Igreja. “Esta guerra vai chegar às igrejas, através dos nossos soldados ou das pessoas que estiveram sob a ocupação. E temos de estar preparados para isso”, explica. É preciso estar à altura dos acontecimentos. É isso que o Pe. Andriy procura fazer todos os dias. “Ajudar as pessoas que também estão feridas no espírito e não apenas no corpo”, acrescenta. Na verdade, os sacerdotes não podem fazer tudo sozinhos. Seria impensável. Mas a presença de um consagrado junto de pessoas aflitas, de pessoas em sofrimento, pode fazer toda a diferença. Quando sobe no elevador – se houver electricidade, claro – no prédio de Nina, o Pe. Andriy Bodnaruk nunca sabe quanto tempo vai demorar a visita. Pode ser breve, para um olá, ou pode demorar o tempo necessário para lhe enxugar as lágrimas, para lhe sossegar o espírito, para lhe dizer que, apesar da guerra, está tudo bem. A força do Pe. Andriy, confessa-nos ele próprio, vem da Cruz, vem do exemplo de Cristo que também sofreu, que também foi um deslocado, que também foi um exilado. E que nunca abandonou o seu povo. Andriy Bodnaruk é um dos muitos sacerdotes que a Fundação AIS apoia directamente neste momento tão difícil da vida da Ucrânia.

Paulo Aido

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