25 de Abril: Cónego António Janela testemunhou Revolução dos Cravos e lembra reação do Patriarcado de Lisboa aos acontecimentos

Havia padres que «tinham um grande receio do comunismo» e «havia outros que achavam que, de facto, havia já valores que deveriam ser sublinhados», afirmou.

Foto: DR

Lisboa, 26 abr 2024 (Ecclesia) – O cónego António Janela recordou, em entrevista à Agência ECCLESIA, as memórias do dia da Revolução dos Cravos e os dias que se seguiram, revelando a tensão vivida no interior do clero, mediante a queda da ditadura.

“Quando sai a carta de 74 [sobre o contributo dos cristãos para a vida social e política], de 16 de julho de 74, essa carta não foi recebida de uma forma pacífica. E, num encontro, de clero, na Buraca, provocou um debate muito aceso. Eu era dos mais novos, mas fui atirado para a fogueira. E aquilo deu troca de palavras duras”, afirma o presidente do Instituto Diocesano da Formação Cristã.

Segundo o sacerdote, havia padres que “tinham um grande receio do comunismo” e “havia outros que achavam que, de facto, havia já valores que deveriam ser sublinhados”.

“Dois ou três dias depois, há um encontro promovido pelo sr. D. António Ribeiro, patriarca. Muito mais sereno. E, à saída, cada um passava e cumprimentava o sr. patriarca. Eu fui dos últimos, era dos mais novos. E disse ao Sr. Patriarca: ‘Olhe sr. Patriarca, eu espero que a Igreja me dê sempre a liberdade de poder expressar aquilo que, em consciência, penso. E o Patriarca D. António Ribeiro disse-me: ‘Pode ter a certeza que sim, padre Janela’”, lembra.

O presidente do Instituto Diocesano da Formação Cristã revela que aquele momento foi a “confirmação da ordenação sacerdotal que tinha sido em 65”.

Sobre o dia 25 de Abril de 1974, que marcou o fim da ditadura em Portugal, o cónego António Janela revela que tinha regressado de Roma há pouco tempo e que vivia na casa paroquial da Igreja de São Nicolau, tendo estado no epicentro dos acontecimentos.

Foto: Cónego António Janela

“Acordei com o telefone a tocar, era a minha irmã, a pedir-me por tudo que não saísse de casa: ‘Está a revolução na rua’”, recorda, referindo que ao abrir a janela viu algo singular.

“O trânsito estava em sentido inverso, porque normalmente vinham do Terreiro do Paço para a Praça da Figueira e naquela hora estavam a vir da Praça da Figueira para o Terreiro de Paço. Alguma coisa se passava”, pensou.

Depois de receber um telefonema da mãe a pedir para não sair de casa, o cónego António Janela adianta que não aguentou “muito tempo” e ao ouvir as notícias da rádio, deslocou-se até ao Rossio e subiu o Largo do Carmo.

“Até que, finalmente, sai uma chaimite com o Marcello Caetano e era a rendição. E foi assim que eu vivi. Depois, há um pormenor, naquela semana, entre o 25 de Abril e o 1º de Maio, e esse é inesquecível: o Rossio juntou imensa gente, gente desconhecida, mas formavam-se grupos e havia um misto de uma expectativa, o que é que isto vai dar, e, ao mesmo tempo, o júbilo daqueles que, finalmente, podíamos estar a falar sem ter ninguém ali a escutar”, descreve.

A entrevista com o cónego António Janela foi hoje transmitida no Programa ECCLESIA, na RTP2.

HM/LJ

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