1.º de Maio: «Vivi a condição operária na sua dureza», recorda padre Luís Martins Ferreira, sobre «mais 40 anos» como padre-operário

Sacerdote dos Filhos da Caridade aprendeu «a rezar durante o trabalho» e a fazer as «reflexões espirituais ou sobre a condição operária» com o barulho da fresadora ou do torno

Coimbra, 30 abr 2024 (Ecclesia) – O padre Luís Martins Ferreira viveu “a condição operária na sua dureza”, como operário na França e na grande Lisboa, evocando um percurso de serviço à pastoral do trabalho.

“Tinham passado mais 40 anos, desde que em novembro de 1967, tinha começado a trabalhar. Vivi a condição operária na sua dureza: durante a maior parte do tempo passando nove horas por dia, junto de uma máquina num ambiente barulhento, construindo peças com medidas muito rigorosas”, lembra o padre Luís Martins Ferreira, num testemunho enviado à Agência ECCLESIA.

O sacerdote dos Filhos da Caridade viveu a sua condição de padre-operário “com camaradas de trabalho” que o aceitaram como um deles e de quem ficou “amigo”, encontrou “grandes militantes pelas causas da justiça”, que o faziam de forma empenhada e generosa, e sofreu perante “as injustiças e as perseguições” frequentes nesses meios.

Aprendi a rezar durante o trabalho e a fazer as minhas reflexões espirituais ou sobre a condição operária ao barulho da minha fresadora ou do meu torno”, assinala o “padre-operário reformado, desde 2008”.

O padre Luís Martins Ferreira foi ordenado presbítero na Diocese de Coimbra, em 1968, no ano seguinte (1969), regressou a Paris (França), até 1972, e ingressou nos Filhos da Caridade.

Antes da ordenação, o sacerdote português fez o estágio pastoral na capital francesa, viajou a 5 de outubro de 1967, “para conhecer o caminho da emigração dos portugueses fugidos à fome à guerra e viver essa experiência em equipa”, e encontrou trabalho passado “um mês à procura” e ter gasto “as solas dos sapatos de tanto andar”.

“Encontrei numa metalomecânica, na secção de reparação de rolos de máquinas de escrever. Os primeiros tempos foram muito duros. Saía às 05h00 da manhã e tinha a sensação de que a minha vida, além das nove horas de trabalho, era ir e vir da fábrica. Porque o local era barulhento, passava o dia a pensar e a rezar. Muitas vezes trabalhava ao sábado até ao meio dia. Descobri assim a condição operária e a sua dureza”, recorda, sobre essa primeira experiência.

Quando regressou a Portugal, “nos finais de 1972”, foi viver para a Cova da Piedade (Almada), formou uma equipa de Padres Operários, com mais dois Filhos da Caridade “o Crespo e o Chico Marques”, e trabalhou nas duas margens da área metropolitana de Lisboa, até à reforma.

“Foram mais de 40 anos de vida operário como fresador e torneiro mecânico. Fui diversas vezes delegado sindical e membro de Comissões de Trabalhadores”, sintetiza.

O padre Luís Martins Ferreira trabalhou na SOREFAME – Amadora; no 25 de abril de 1974 era fresador na STANDARD ELÉCTRICA, em Cascais, foi para a JOC (Juventude Operária Católica), “nos anos loucos do PREC” estava no MES (Movimento de Esquerda Socialista), foi trabalhar para a EQUIMETAL, no Barreiro, em 1981, tiveram “7 meses de atraso” nos salários, e foi formador de fresagem e torneamento no Centro de Formação de Setúbal (IEFP).

O sacerdote, que considera que “passados 40 anos muita coisa mudou”, observa que, hoje, “há novas tecnologias e acabaram a maioria das grandes empresas”, alerta que se “reduziu a força dos sindicatos”, com os contratos a prazo, os recibos verdes e “todas as formas precárias de trabalho”, e a maioria dos trabalhadores “está completamente à mercê da sede de lucros dos patrões”.

“Por isso, eu digo, pela experiência vivida, a única alteração estrutural do mundo do trabalho por conta doutrem, foi o aprofundamento da exploração do trabalho humano. Já não há lugar para a Social-democracia ou para a Democracia Cristã do pós-guerra”, realça o antigo padre-operário, que na reforma, esteve “em três paróquias da Diocese de Setúbal”.

A Agência ECCLESIA entrevistou o padre-operário Constantino Alves, da Diocese de Setúbal, e dedicou o programa ‘70×7’ do último domingo ao 1.º de Maio de 1974, nos 50 anos da democracia em Portugal.

CB/OC

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