Viseu: Distrito mais atingido pelos incêndios recorda vítimas e apela a «repensar» o futuro

«Que as pessoas se sentem de uma vez por todas e que haja um consenso nacional», exorta Agostinho Neves

Viseu, 24 out 2017 (Ecclesia) – As marcas dos incêndios que fustigaram a região centro neste mês de outubro ainda estão bem visíveis no Distrito de Viseu, com as populações de luto pela morte de pelo menos 19 pessoas devido às chamas.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, o padre Virgílio Rodrigues, da Unidade Pastoral de Santa Comba Dão, destaca o cenário “traumatizante”, de impotência e de perda, que as comunidades estão a viver.

“Uma casa recupera-se, um terreno vai-se mudando com o tempo, vai-se replantando, mas as vidas humanas são irreparáveis”, frisa o sacerdote.

O Distrito de Viseu foi a região mais afetada pelos fogos do dia 15 de outubro, em que várias centenas de focos de incêndio causaram pelo menos 45 mortos e 70 feridos, além de elevados danos materiais e ambientais.

Esta situação veio agravar ainda mais o cenário de um país que já estava em choque, depois do caso de Pedrogão Grande, em junho, em que as chamas provocaram a morte a mais 64 pessoas.

Para o padre Virgílio Rodrigues, estamos perante um cenário de “catástrofe” cuja “dimensão” ainda não está completamente contabilizada, mas que tem de ajudar a tirar “lições” para o futuro, não só em termos de políticas a implementar mas também da vivência entre as pessoas.

No decurso da tragédia, a igreja de Santa Comba Dão esteve de portas abertas para acolher as pessoas mais atingidas pelos fogos.

“Percebemos toda a realidade, o sofrimento das pessoas, fizemos o que estava ao nosso alcance, colaborámos, abrimos aqui a igreja, o centro paroquial porque é um local mais ou menos isolado, e as pessoas refugiaram-se aqui”, conta o padre Virgílio Rodrigues.

As chamas engoliram casas de primeira habitação, anexos, carros e máquinas agrícolas, terrenos de cultivo.

Muitas pessoas levaram para a igreja não só bens mas também animais de estimação, gatos e cães.

“Nestas circunstâncias de tragédia não se seleciona ninguém, a quem precisa dirigimos esta atitude de acolher, indiferentemente também de qualquer crença”, acrescentou o sacerdote.

Na localidade de Ventosa, onde também esteve a reportagem da Agência ECCLESIA, o ar impregnado com o cheiro a fumo também não deixa esquecer estes momentos mais difíceis.

“Tudo ficou negro por aí fora, nas casas, na igreja, em toda a parte entrou a cinza”, realça o padre António Fernandes.

Só nesta comunidade, morreram cinco pessoas devido aos fogos e à falta de meios para os combater.

O padre, que esteve envolvido no combate às chamas, salienta que “nem mangueiras havia” e “embora houvesse água não havia motores para tirar a água porque não havia eletricidade”.

Já Agostinho Neves, antigo presidente da junta de freguesia da Ventosa, sublinha que é preciso “repensar” a configuração geográfica e florestal de quem vive nestas áreas mais rurais ou de montanha.

“Esta freguesia está envelhecida, os novos tiveram de sair de cá, nós perdemos muita gente devido à crise económica e os terrenos agrícolas transformaram-se em terrenos abandonados. O que é que é preciso? Que as pessoas se sentem de uma vez por todas, independentemente das opiniões políticas, das forças políticas, e que haja um consenso nacional”, alertou.

O mesmo responsável apontou ainda para as consequências dos incêndios, que têm de ser acauteladas, que ao nível da paisagem natural quer dos meios de subsistência das pessoas que aqui ficam

“Isto é já uma população muito idosa. Imaginemos, com sessenta anos vou refazer a minha vida como? Quem é que me cede um crédito, como recupero um financiamento que vem? É preciso uma atenção especial a isto”, completou.

HM/JCP

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