Vaticano: Papa endurece aplicação de sanções para casos de abusos sexuais

Nova redação do Livro VI do Código de Direito Canónico promove reforma da disciplina penal da Igreja Católica

Foto: Lusa/EPA

Cidade do Vaticano, 01 jun 2021 (Ecclesia) – O Papa publicou hoje a constituição Apostólica ‘Pascite gregem Dei’, promovendo uma reforma do Código de Direito Canónico (CDC) no que se refere às sanções penais na Igreja, com atenção particular aos casos de abusos sexuais.

Francisco critica a “negligência” de muitos responsáveis católicos na aplicação das penas previstas para quem incorre nos crimes previstos pelo CDC, sublinhando que essa atitude pode permitir que, “com o tempo, tais modos de vida se cristalizem, tornando mais difícil a correção e, em muitos casos, agravando o escândalo e a confusão entre os fiéis”.

O texto, divulgado pelo Vaticano, altera o Livro VI do CDC e revê a disciplina penal que existe desde 1983, visando evitar “o risco de contemporizar com comportamentos contrários à disciplina”.

“Muitos foram os danos causados no passado pela falta de compreensão da relação íntima que existe na Igreja entre o exercício da caridade e o cumprimento da disciplina punitiva, sempre que as circunstâncias e a justiça o exigirem”, admite o Papa.

Os casos de abusos sexuais de menores e adultos vulneráveis, posse ou divulgação de pornografia são agora inseridos numa secção especificamente dedicada aos “delitos contra a vida, a dignidade e liberdade do homem”.

As penas estendem-se aos clérigos, membros de instituto de vida consagrada ou de sociedade de vida apostólica ou “qualquer fiel que goze de dignidade ou exerça cargo ou função na Igreja”.

O CDC prevê, na sua nova redação, a “privação do ofício e outras penas justas, sem excluir, se o caso o exigir, a expulsão do estado clerical”, para os sacerdotes.

As mudanças abrangem ainda novos crimes económico-financeiros ou patrimoniais e incluem penas como multas, indemnização por danos e privação total ou parcial da remuneração, que não estavam previstas na redação de 1983, promulgada pelo Papa João Paulo II.

O Papa Francisco sublinha que o Direito Canónico deve estar em “correlação permanente com mudanças sociais e novas exigências”, justificando as alterações no Livro VI com a necessidade de oferecer aos bispos e superiores de institutos de Vida Consagrada um “instrumento ágil, saudável e corretivo”.

A alteração foi pedida por Bento XVI em 2007, tendo sido sujeita a consultas junto das Conferências Episcopais, organismos da Cúria Romana, Institutos Religiosos, Faculdades de Direito Canónico e outras instituições eclesiásticas.

A versão final do novo texto foi apresentada na sessão plenária dos membros do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, em fevereiro de 2020.

O Papa realça que a missão dos bispos e superiores de cada comunidade, no campo da disciplina penal, deve ser exercida como “exigência concreta e inalienável de caridade perante a Igreja, perante a comunidade cristã e as possíveis vítimas”.

A caridade exige, com efeito, que os pastores recorram ao sistema penal sempre que necessário, tendo em conta os três fins que a tornam necessária na sociedade eclesial, ou seja, o restabelecimento das exigências de justiça, a correção do infrator e a reparação dos escândalos”.

O texto é “aprimorado” no que diz respeito a alguns aspetos do direito penal, como o direito de defesa, a prescrição da ação penal e a determinação das penas, com “critérios objetivos para identificar a sanção mais adequada a aplicar, em cada caso concreto”.

Nesse sentido, a nova redação do CDC promove a redução dos casos em que a aplicação de sanções fica “ao critério da autoridade”.

A nova formulação do Livro VI – cânones 1311 a 1399 –, sobre as “sanções penais na Igreja”, entra em vigor a 8 de dezembro de 2021; em relação à anterior redação, apenas 17 dos 89 cânones permanecem inalterados.

OC

A 17 de dezembro de 2019, o Papa decidiu abolir o segredo pontifício nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos.

decisão foi acompanhada por outro decreto, que altera a norma relativa ao crime de pornografia infantil – inserido na categoria de ‘delicta graviora’, os crimes mais graves, no direito canónico-, à posse e difusão de imagens pornográficas, fazendo referência a menores de 18 anos de idade, em vez dos 14 anos, como acontecia até então.

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