Trabalho: «Há resistência na empregabilidade de pessoas com deficiência na Igreja; são olhadas com inutilidade e sem valor» – Comunidade Católica com Deficiência Visual

Encontro na véspera do Dia do Trabalhador apresentou quadros de «descriminação» e «falta de apoio» no acesso igualitário ao mercado de trabalho

Foto: Vatican Media

Lisboa, 01 mai 2024 (Ecclesia) – As instituições ligadas à Igreja Católica e os próprios serviços da Igreja não estão “abertos à inserção das pessoas com deficiência”, olhando-as como “sem valor” e com “inutilidade”, no que respeita à inserção laboral.

“Há lugar na Igreja para todos, especialmente nos últimos anos têm-se feito progressos nas atividades pastorais, mas no que toca à empregabilidade há resistência não só da sociedade mas também da Igreja. A Igreja continua a olhar para a pessoa com deficiência sem valor ou inútil”, lamentou Ana Sofia Teixeira, da Comunidade Católica com Deficiência Visual.

A CCDV, do Serviço Pastoral das Pessoas com Deficiência, organizou um ‘webinar’, sobre a empregabilidade das pessoas com deficiência, orientado pelo tema «Todo o trabalhador tem lugar na vinha do senhor?», juntando experiências pessoais e laborais de “resistência, de fé e persistência”, mas também de “descriminação”.

Alice Pinheiro, a residir em Cinfães, partilhou o “pouco apoio que recebeu” no final do seu percurso de formação na procura de emprego e apoio em estágios.

“Fiz um estágio como telefonista numa escola que frequentei, após o 12º ano; sentia-me bem, tinha a minha lista de contactos, todos me conheciam desde a direção aos professores e também os alunos me acolhiam”, recorda.

Após essa experiência tem procurado trabalho mas sem sucesso, numa geografia desafiada por uma rede de transportes deficitária: “Contactei uma IPSS da minha área de residência e nem ela me deu resposta”, lamentou.

Paulo Andrade deu conta dos desafios que a adaptação informática foi lançando ao longo do tempo, recordando que quando começou na década de 90 a trabalhar com computadores, “era tudo muito diferente e muito caro”.

Hoje é revisor de Braille na Santa Casa da Misericórdia do Porto.

Ana Sofia Teixeira assinalou que os dois testemunhos dão conta da “realidade difícil mas também dão esperança”.

Constança Festas lamentou que as instituições da Igreja estejam abertas para receber pessoas com deficiência “para voluntariado mas não para trabalho remunerado”.

“A Igreja tem a obrigação moral de ser a primeira a mostrar esta postura. E aqui temos caminho a ser feito”, sublinhou.

Ana Sofia Teixeira lamentou desconhecer “dioceses e paróquias que empreguem pessoas com deficiência”, falando em “situações pontuais” e afirmou a “preocupação constante das instituições com a sua subsistência”.

“Podemos não ter noção mas o setor social vive tempo conturbados financeiramente e não há espaço para as instituições sociais se preocuparem com a empregabilidade das pessoas com deficiência – esta não é prioridade. Ainda se olha para a pessoa num carácter assistencialista e não promotor de competências”, afirmou.

Helena Albuquerque, presidente de uma Instituição Particular de Solidariedade Social, mãe de uma pessoa com deficiência e em representação da CNIS, lamentou que a Igreja não reconheça o lugar da vida das pessoas com deficiência, “em especial da pessoa com deficiência intelectual”.

“A Igreja ainda não deu o salto para entender as pessoas com deficiência como uma mais valia. A Igreja é um lugar de pessoas, cada uma com a sua história, é a junção de muitas histórias; enquanto não houver uma atitude humanista nessas histórias, nada vai mudar. Só se inclui o que se conhece”, destacou.

Jacinto Moita frisou a importância de dar oportunidade, ao contrário de promover a caridade.

“As pessoas com deficiência não precisam de caridade mas de oportunidades. Trabalhando são válidas, deixam de ser um peso para a sociedade e para a família e colocam em comum as suas capacidades, são um valor para a sociedade. Essa inserção dá-lhes auto estima, consideração e possibilita constituir família. É importante dar oportunidade para demonstrarem o que sabem fazer”, reconheceu.

“As pessoas com deficiência são considerados máquinas partidas num mundo em que as pessoas têm de ser bonitas, jovens, competitivas. Isto é terrível para a sociedade”, acrescentou ainda.

Os participantes focaram ainda positivamente a existência de legislação e quotas, fator que tem melhorado o acesso ao mercado de trabalho, mas sublinham a necessidade de esta ser respeitada e alargada a todo o mercado laboral.

“Há uma grande competição entre pessoas ditas ‘normais’ e a pessoa com deficiência. Temos que provar que somos capazes de fazer tão bem ou melhor para sermos aceites no nosso local de trabalho”, manifestou Madalena Teixeira.

Desde 1 de fevereiro de 2023 que empresas com 75 a 249 trabalhadores são obrigadas a incluir 1% de trabalhadores com deficiência nos seus quadros; no caso de empresas maiores a quota é de 2%.

LS

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